Título: Programa social reduz desigualdade mais do que o mínimo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, Brasil, p. A4

A queda da desigualdade social do país nos últimos anos é conseqüência direta do aumento das transferências de renda do Estado para a sociedade, segundo o professor e economista Marcelo Neri, coordenador de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Já os aumentos reais de 9% e 13% concedidos pelo governo federal para o salário mínimos nos anos de 2005 e 2006, respectivamente, não provocaram redução significativa nos indicadores de pobreza e desigualdade social. Essas são duas das principais constatações da pesquisa "Redistribuição à Brasileira: Ingredientes Trabalhistas", elaborada pelo Centro de Políticas Sociais da FGV. O estudo baseia-se em dados da Pesquisa Mensal de Emprego, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre 2002 e 2006, a participação dos 50% mais pobres no total da renda dos brasileiros aumentou de 9,95% para 12,2%. Paralelamente, a parcela referente aos 10% mais ricos caiu de 50,2% para 46,89%, segundo os dados compilados por Neri. "O ano de 2004 é especial, porque a tendência de estagnação é revertida e a renda do trabalhador volta a crescer, principalmente entre os mais pobres", disse, acrescentando que um dos responsáveis foi o Bolsa Família. "Um programa altamente focado, onde o dinheiro chega realmente aos mais pobres".

De acordo com Neri, a esperança do efeito do mínimo sobre a pobreza e a desigualdade reside hoje muito mais nos seus efeitos sobre a Previdência Social, através do pagamento dos benefícios previdenciários, do que sobre a renda dos trabalhadores. "Quando observamos os fortes reajustes do salário mínimo dos últimos dois anos sobre a renda do trabalho ficamos um pouco decepcionados. Esta é uma questão importante de ser ressaltada porque, nos últimos dez anos, o salário mínimo apresentou sempre um impacto forte de redução da pobreza e da desigualdade. Este impacto, aparentemente, foi perdido nestes últimos anos", diz o economista Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação.

Na avaliação do professor, a constatação não necessariamente significa que o efeito do mínimo sobre a renda do trabalho tenha sido negativo, mas que talvez os efeitos positivos deste aumento possam ter sido, de certa forma, minimizados pelos efeitos negativos da geração de desemprego e de uma maior informalidade.

De acordo com a pesquisa, no passado, os efeitos positivos do aumento do salário mínimo na redução da pobreza eram mais fortes e evidentes. "É importante lembrar que o mínimo aumentou 100% nos últimos dez anos e talvez ele esteja muito alto para continuar produzindo os efeitos que causava antigamente. Além disto, os empregadores podem estar demitindo os trabalhadores com mais freqüência do que faziam no passado, empurrando-os para a informalidade".

Um "crítico" dos aumentos excessivos para o salário mínimo como forma de diminuição da desigualdade, Marcelo Neri defende uma maior agressividade e valores mais elevados para os programas sociais do governo federal.

"É preciso ter mais cuidado quando se concede reajustes ao salário mínimo, pois este aumento é irreversível e nem sempre causa o efeito desejado sobre a parcela da renda do trabalho. O fundamental é fazer crescer os bons programas sociais, como o Bolsa Família, que poderia ter o seu valor ampliado com significativo efeito sobre a desigualdade social", acredita.