Título: Real deve se valorizar por bem ou por mal
Autor: Campos , Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2012, Finanças, p. C2

O real é uma moeda de extremos. Até fevereiro era destaque mundial de valorização, chegando a subir mais de 10% ante o dólar. Agora, está no extremo oposto, é a divisa que mais perde no mês, no ano, e no acumulado em 12 meses (veja gráfico acima).

No afã de lutar a "guerra cambial", combater o "tsunami monetário" provocado pelas economias desenvolvidas e promover uma política industrial, o governo fez alterações no prazo de captações externas isentas de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Banco Central (BC) limitou o prazo dos pré-pagamentos de exportação, uma modalidade de crédito externo, a 360 dias.

Não há dúvida de que essas medidas aliadas a uma atuação mais incisiva do Banco Central (BC) no mercado à vista ao longo de abril contribuíram para tal performance da moeda brasileira, que chegou a R$ 1,96 no mercado à vista, maior cotação desde julho de 2009.

Junto com as ações governamentais a moeda também perde apelo em função da recente piora de humor externo.

A economia dos Estados Unidos mostra menor dinamismo econômico, a China vai pelo mesmo caminho e leva o preço das commodities junto e se não bastasse, a Europa parece cada vez mais distante de solucionar sua crise de endividamento soberano com desdobramentos pelo setor financeiro.

Dois estudos publicados recentemente, um da consultoria MCM e outro do banco UBS, mostram que a moeda brasileira está descolada de seus fundamentos e do que seria o seu "preço justo".

Para o UBS, a taxa de câmbio deveria estar ao redor de R$ 1,75. Por mais distorções que ocorram, o banco aponta que a moeda tende a voltar a acompanhar seus fundamentos. Isso não ocorrerá se mais medidas cambiais forem tomadas e a queda da Selic for acompanhada de maior leniência com a inflação.

Em seu estudo, a MCM mostra que a apreciação do real nos últimos anos é reflexo dos fundamentos econômicos, como a expressiva melhora nos termos de troca, fruto do boom de commodities observado na década passada.

A consultoria nota, no entanto, que nos últimos três meses teve início um movimento de depreciação do câmbio real não condizente com a evolução dos fundamentos econômicos.

"Tal fato se deveu, sem dúvidas, às intervenções do governo brasileiro no mercado cambial", diz a MCM.

O ponto ressaltado pela MCM, com base nos seus modelos, é que cedo ou tarde, o câmbio real acaba voltando para o patamar condizente com os fundamentos, e que, de certa forma, essa convergência se tornou mais rápida a partir de 2003.

"Caso o câmbio nominal permaneça fixo, o ajuste se dará por meio da inflação, dificultando ainda mais o cumprimento da meta de inflação em 2012 e 2013."

Para o professor de economia da PUC-Rio, Márcio Garcia, tal comportamento da moeda americana é mais um fator a complicar a condução da política monetária em função do efeito do dólar mais caro sobre a inflação.

"O que segura a inflação em baixa são os bens duráveis. Se o preço dos importados sobe, a tendência da inflação é piorar", diz o professor, lembrando que já temos uma inflação de serviços que "vai bem, obrigado" rodando na casa dos 8%.

Mas por ora, esse quadro não é grave. A questão, mesmo, é o comportamento dos preços em 2013. Para Garcia teremos mais inflação de qualquer forma, por diversos fatores, como preços administrados maiores e outras benesses que não vão se repetir.

Fora isso, se o governo for perseguir, mesmo, um crescimento de 4,5% a 5%, e seguir cortando juros e tomando medidas para estimular o crédito e derrubar o spread bancário, esses estímulos vão pegar a demanda, mas também vão chegar aos preços.

Segundo Garcia, todas essas medidas do governo são boas, mas o momento não é o mais adequado em função da atual dinâmica inflacionária.

Ainda de acordo com o professor, se o Banco Central mudar de estratégia e vender dólares ao mercado a sinalização seria muito negativa. Seria praticamente um convite ao especulador, pois ele saberia de antemão o "piso" e o "teto" da taxa de câmbio. O momento ainda não pede esse tipo de atitude, diz o professor.