Título: Jefferson Péres diz que eleitor o decepciona e anuncia fim de carreira política
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2006, Política, p. A9

Com um discurso contundente, em tom de desabafo, manifestando "desencanto" e "indignação" com o que considerou "dilapidação do capital ético deste país", o senador Jefferson Péres (PDT-AM), candidato a vice-presidente na chapa do senador Cristovam Buarque, anunciou ontem da tribuna que vai abandonar a carreira política ao término do seu atual mandato, em 2010.

Ex-tucano, filiado ao PDT desde 1999 e exercendo seu segundo mandato no Senado, Jefferson Péres atacou o comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos casos de corrupção envolvendo seu governo, e foi duro com o Congresso Nacional, com os artistas que apoiaram Lula e até com o eleitorado que pretende reeleger o petista.

"Dizem que político não deve falar mal do povo. Eu falo, eu falo. Parte da população compactua com isso. É lamentável. E não é por desinformação. Não é só o povão, não. É parte da elite, inclusive intelectual. Compactuam com isso é porque são iguais, se não piores. Vou continuar nessa vida pública? Para quê? Para mim, chega!", afirmou.

Péres ganhou notoriedade por ter sido relator do processo que resultou na cassação do mandato do ex-senador Luiz Estevão, em 2000, por quebra de decoro parlamentar, acusado de desviar recursos para a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) paulista. Foi o único senador cassado por iniciativa do Senado. No discurso, o amazonense disse que o atual Congresso é "o pior" que já conheceu, com uma maioria de parlamentares "medíocre". Disse que abandonaria a carreira política por estar "profundamente desencantado" e "indignado".

"Como se ter animação em um país como este, com um presidente que, até poucos meses atrás, era - como o é - um presidente conivente com um dos piores escândalos de corrupção que já aconteceu no Brasil, e este presidente está marchando para ser eleito, talvez, em primeiro turno? É desinformação da população? Não, não é. Se fizermos uma enquete em qualquer lugar deste país, todos concordarão, ou a grande maioria, que o presidente sabia de tudo. Então, votam nele sabendo que ele sabia", afirmou Péres.

Com base nessa constatação, o senador conclui que a crise ética não é só da classe política e atinge grande parte da sociedade. Afirmou estar "inconformado" com a possibilidade de reeleição de Lula. "Esta será uma das eleições mais decepcionantes da minha vida. É a declaração pública, solene, histórica do povo brasileiro de que desvios éticos por parte de governantes não têm mais importância", disse o candidato a vice-presidente pelo PDT.

Péres considerou um "episódio deplorável" as manifestações de artistas a favor do governo, minimizando a corrupção. O ator Paulo Betti disse que "não dá para fazer política sem botar a mão na merda". Já o compositor Wagner Tiso afirmou não estar "preocupado" com a ética do PT que, para ele, "fez um jogo para governar o país". Declarações "cínicas" e "desavergonhadas", segundo o senador.

"Para mim, chega... Elejam quem vocês quiserem. Podem chamar até o Fernandinho Beira-Mar e fazê-lo presidente da República - ele não vai com o meu voto, mas, se quiserem, façam-no." Sobre o Congresso, afirmou nunca ter um visto um "com uma maioria tão medíocre, com nível intelectual e moral tão baixo". A um plenário esvaziado, o senador pedetista anunciou a decisão de não disputar eleição a partir de 2010, por não querer mais "perder tempo". (RU)