Título: Hollande assume sob pressão de suas promessas
Autor: Coy , Peter
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2012, Internacional, p. A10

Os franceses acorreram à Bastilha na noite em que o socialista François Hollande foi declarado presidente eleito da França.

Comemorar a vitória com fogos de artifício e chuvas de luzes vermelhas na Praça da Bastilha de Paris - o ponto de ignição da Revolução Francesa em 1789 - parecia apropriado em vista da vistosa plataforma de Hollande.

Durante sua campanha, ele prometeu elevar a alíquota de imposto da faixa de renda máxima para 75%, taxar as transações financeiras, elevar os gastos públicos, reconduzir ao nível anterior o aumento da idade da aposentadoria e fazer frente à chanceler da Alemanha, Angela Merkel, ao levar a Europa a focar mais em crescimento e menos em austeridade.

"Obrigado, povo francês!", disse Hollande à multidão vibrante na madrugada do dia 7. "Sou o presidente dos jovens da França. Sou o presidente da justiça na França."

Mas Hollande, 57 anos, que será empossado hoje, está longe de ser um revolucionário jacobino. Ele é um tecnocrata cordial que estudou para o serviço público na École Nationale d"Administration, de elite.

Ele deverá avançar apenas lentamente na implementação das promessas demagógicas que fez durante a campanha e governará a partir do centro, a julgar por seu histórico e pelas previsões de seus partidários, mais dados ao meio termo.

Para Hollande, o movimento de volta ao centro será feito em parte por opção própria (seu apelido é "Sr. Normal") e em parte devido às circunstâncias: em poucas palavras, a situação financeira da França é precária demais para permitir que Hollande ignore os déficits e se arrisque a romper com a Alemanha. A 5,2% no ano passado, o déficit público da França como parcela da economia é maior do que o de Portugal ou da Itália, dois países que já começaram a perder a confiança dos investidores em bônus.

Hollande será obrigado a fazer mais ou menos o que Nicolas Sarkozy fez: tranquilizar os mercados financeiros por meio do controle dos gastos do governo ao mesmo tempo em que agrada Merkel, a detentora das chaves do cofre da Europa. Apesar de comandar o Partido Socialista, "não há a menor possibilidade de Hollande tentar implementar um socialismo à moda antiga na França", diz Thomas Philippon, cidadão francês e assessor da campanha do novo presidente que atua como economista na Faculdade de Administração de Empresas Stern, da Universidade de Nova York.

A julgar pela reação calma dos mercados financeiros à vitória de Hollande, os investidores já concluíram que ele não porá em risco a classificação de crédito da França, rebaixada em janeiro pela Standard & Poor"s de AAA para AA+. Os rendimentos do bônus francês de dez anos estão mais próximos dos da Alemanha atualmente do que estavam na virada do ano, quando Sarkozy ainda considerava provável a sua reeleição. O rendimento adicional exigido pelos aplicadores para deter títulos do governo francês estava em 1,19 ponto percentual em 7 de maio, um pouco menos que o 1,31 ponto percentual registrado no último dia de dezembro.

À parte a retórica de campanha, quando a questão é reduzir o déficit, não há muita diferença entre a plataforma de Sarkozy e a de Hollande.

Sarkozy pretendia equilibrar o orçamento nacional da França em 2016; a meta de Hollande é 2017. Sarkozy cortaria a relação gastos do governo sobre Produto Interno Bruto (PIB) em 4 pontos percentuais em cinco anos; a meta de Hollande é de 3,5 pontos percentuais em cinco anos, afirma Philippon.

Se as metas orçamentárias de cada um dos dois são ou não realistas, são outros quinhentos.

Hollande pode até tornar a França uma parceira mais próxima da Alemanha. Apesar de suas diferenças políticas, Merkel e Hollande têm temperamentos analogamente ponderados. Sarkozy, por seu lado, é tempestuoso e volúvel. "Hollande será 100% mais confiável para Merkel do que Sarkozy", diz Carl Graf von Hohenthal, assessor de administração do Brunswick Group de Berlim. "Ambos são pragmáticos", diz Volker Perther, diretor do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, que assessora o governo. "Eles vão chegar ao consenso."

Merkel sabe que Hollande, para fins políticos, precisa manter seu discurso agressivo até depois das eleições parlamentares francesas, marcadas para junho, diz Mark Hallerberg, diretor do Centro de Governança Fiscal da Faculdade Hertie de Governança de Berlim. Ela telefonou para Hollande após sua vitória e convidou-o para conversações em Berlim o quanto antes, dizendo que ele "será recebido de braços abertos na Alemanha".

Uma das áreas de concordância potencial é a necessidade de aumentar os recursos destinados ao Banco Europeu de Investimentos, que financia projetos de infraestrutura.

Isso não será suficiente para sustentar as economias mais frágeis da Europa, diz Fredrik Erixon, diretor e cofundador do Centro Europeu de Economia Política Internacional de Bruxelas, mas oferecerá algum alívio.

Há, é claro, diferenças sérias e incontornáveis entre Hollande e Merkel. Ele vai continuar a argumentar em favor de uma maior ênfase no crescimento na Europa, da emissão de bônus conjuntos para sustentar os países mais fracos e uma política monetária mais folgada da parte do banco central Europeu (BCE). Ela não abrirá mão do cumprimento do compacto fiscal recentemente concluído, que determina que os países equilibrem seus orçamentos federais, sob pena de enfrentar multas do Tribunal de Justiça Europeu.

As tensões vão se intensificar se o maciço afluxo de capital para a Alemanha continuar, deixando outros países defrontados com a recessão enquanto os alemães praticam taxas superbaixas de juros e vive o temor do superaquecimento. No início de maio, Berlim deu uma demonstração do grau de isolamento que mantém em relação ao restante das agruras do continente, ao registrar em março encomendas às fábricas, produção industrial e dados de exportação mais elevados que o previsto.

No longo prazo a melhor esperança da França é reconquistar a competitividade com a Alemanha. E a melhor maneira de fazer isso é corrigir seu mercado de trabalho anômalo, que inibe o crescimento. As proteções contra as demissões são tão sólidas que as empresas têm medo de contratar funcionários, por não saber se conseguirão se desvencilhar deles se necessário.

Sarkozy tentou derrubar essas barreiras e não conseguiu, em parte porque despertou, desnecessariamente, a inimizade dos sindicatos franceses, diz Philippon, da NYU. Como socialista, Hollande poderá ter mais oportunidade de conseguir a adesão dos trabalhadores, a exemplo do que o social-democrata alemão Gerhard Schröder precisou fazer para reparar o esclerosado sistema de bem-estar social da Alemanha como chanceler, de 1998 a 2005. "Talvez seja necessário uma pessoa de esquerda para fazer isso", diz Philippon.