Título: Tensão externa leva dólar a testar R$ 2
Autor: Campos ,Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2012, Finanças, p. C2

Dólar a R$ 2 já é realidade no mercado futuro. A demanda por moeda americana é reflexo de um ambiente externo bastante negativo, delineado por bolsas em baixa, commodities em queda e volatilidade em alta.

A moeda com entrega para junho subiu 1,44%, para R$ 2,0035 na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), após máxima a R$ 2,015.

No mercado à vista, o dólar comercial subiu 1,74%, e fechou a R$ 1,99, maior preço desde julho de 2009. A moeda só não fechou acima dos R$ 2 pois encerra negócios antes do mercado futuro.

No intradia, o dólar comercial foi R$ 2,003. Tal preço foi registrado pouco depois da fala do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o comportamento do câmbio não preocupa o governo brasileiro. De fato, diz o ministro, o dólar alto beneficia a economia brasileira e dá mais competitividade.

Os investidores seguem se perguntando sobre a possibilidade de atuação do Banco Central (BC) para suavizar essa escalada de alta da moeda americana. Da mínima de R$ 1,699, registrada em 28 de fevereiro, o dólar sobe 17%.

Tais declarações de Mantega reduziriam o espaço de atuação, mas as discussões prosseguem.

Para parte dos agentes, o BC deve atuar, pois a alta do dólar cedo ou tarde baterá na inflação e nas expectativas, o que dificulta o trabalho da autoridade monetária.

Outros agentes apontam que o BC não deve atuar, pois não há falta de dólares no mercado à vista, conforme os bancos estão comprados em US$ 6 bilhões. E também não há sinais de distorção no mercado futuro, como descasamento de preços ou forte abertura nas taxas de cupom cambial (taxa de juro em dólar no mercado local).

Olhando a questão além do intradia, o sócio da Queluz Asset Management, Luiz Monteiro, diz que o enfraquecimento do real capta uma mudança da política econômica doméstica aliada a um cenário externo oposto daquele que garantiu dez anos de valorização para a moeda.

A valorização do real desde 2002 foi uma resposta ao cenário externo. Juros baixos nos Estados Unidos deram fôlego ao preço das commodities e a moeda brasileira acompanhou tal movimentação. Agora, o cenário é o exato oposto, os juros seguem baixo, mas o crescimento se esgotou. O modelo não funciona mais.

De fato, diz Monteiro, a política do Federal Reserve (Fed), banco central americano, criou uma série de bolhas ao redor do mundo, entre elas esse período de euforia com o Brasil. Analisando friamente, a pujança da renda, do consumo e de custos no Brasil nunca combinaram com as deficiências estruturais do país, como falta de infraestrutura, carga tributária e baixa produtividade.

Passando para os juros futuros, as taxas começaram a semana apontando para baixo na BM&F. O dólar a R$ 2 e as incongruências do Focus não fizeram preço. A formação das taxas levou em conta a piora de humor externo, onde a Grécia segue sem governo e crescem os comentários sobre a possibilidade de saída do país da zona do euro.

Dentro do Focus, algo bastante incomum. O mercado vê inflação pior, mas não espera resposta a isso via taxa de juros.

A função reação é outra. A previsão para Selic caiu de 8,5% para 8% no fim de 2012, enquanto o prognóstico para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 5,12% para 5,22%.

De acordo com Monteiro, da Queluz, o mercado se molda à doutrina econômica do governo, que não vê uma correlação direta e forte entre juro e inflação. Com isso, o governo vai testar patamares de juros cada vez mais baixos. E, além disso, não vai reagir a uma piora do quadro inflacionário com alta da Selic. Esse seria o último recurso dentro de uma caixa de ferramentas que conta com medidas prudenciais e medidas setoriais.

Ainda de acordo com o especialista, as ações do governo criam um ambiente de alta na inflação, mas dado esse quadro externo contracionista fica a dúvida se essa elevação nos preços vai se manifestar em breve.

Para Monteiro, essa pressão inflacionária pode demorar um pouco para aparecer, por isso mesmo é um tanto arriscado montar estratégias tentando captar uma puxada de alta nas taxas futuras de juros.