Título: Mercados voltam a cogitar calote grego desordenado
Autor: Milne ,Richard
Fonte: Valor Econômico, 15/05/2012, Finanças, p. C3

Contágio. Esta é a palavra que vem metendo medo nos mercados no decorrer da crise da dívida da zona do euro. E uma saída da Grécia da moeda única a colocaria em evidência de uma maneira não imaginada até agora.

A saída da Grécia testaria os sistemas de segurança erguidos pelos planejadores econômicos, considerados insuficientes por muitos investidores, e colocaria o setor bancário do continente europeu sob pressão extrema. Mas a preocupação para muitos no mercado é menos o impacto imediato e mais o exemplo que a Grécia daria para outras economias do bloco que estão com problemas.

"A principal preocupação em relação a isso, em nossa opinião, não é necessariamente o efeito de primeira ordem, e sim o que isso diz sobre a natureza inquebrantável do euro", diz Jim Reid, estrategista de crédito do Deutsche Bank. "Isso deverá ser especialmente relevante se no futuro outros países continuarem em dificuldades. As ramificações plenas podem não ser sentidas imediatamente, mas muita coisa pode acontecer com o tempo e a saída da Grécia continuaria sendo um modelo perigoso se outras economias continuarem enfraquecendo."

Os custos diretos não são pequenos, uma vez que um calote da Grécia sobre toda sua dívida é visto como provável, mas são tido como suportável. Nikolaos Panigirtzoglou, do JP Morgan, estima os custos imediatos para a zona do euro em cerca de € 395 bilhões - formados por € 240 bilhões em socorros financeiros internacionais ao país, € 130 bilhões em empréstimos "Target 2" de outros bancos centrais da zona do euro e € 25 bilhões em empréstimos bancários comerciais.

A grande dúvida não respondida é até onde o contágio vai se espalhar. As autoridades da zona do euro vêm tentando criar novas instituições como o Mecanismo de Estabilidade Europeu e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que são, respectivamente, veículos permanente e temporário de resgate, e que juntos têm uma capacidade de empréstimo de € 750 bilhões. O Banco Central Europeu (BCE) vem demonstrando prontidão em apoiar a dívida soberana periférica quando necessário.

Saída da Grécia da zona do euro testaria sistemas de seguranças erguidos e colocaria bancos sob pressão

Mesmo assim, muitos mercados temem que se credores oficiais como a União Europeia perderem todo o seu dinheiro na Grécia, estarão eles prontos para apoiar a Itália e a Espanha? O prêmio que a Espanha paga para tomar emprestado da Alemanha atingiu ontem 485 pontos-base, um novo recorde na era do euro.

Na verdade, os investidores estrangeiros parecem já ter chegado às suas próprias conclusões: as vendas a detentores de bônus não-domésticos nos últimos nove meses chegaram a € 200 bilhões para os bônus do governo italiano, e € 80 bilhões para a dívida espanhola, segundo afirma o JP Morgan. Os investidores não-domésticos detêm cerca de € 800 bilhões em bônus do governo nos dois países.

Dois caminhos acenam. Um é um default desordenado da Grécia e o pandemônio que se seguiria, incluindo as vendas em massa de títulos da dívida dos governos italiano e espanhol. O outro, menos calamitoso, envolveria uma resposta política enorme e coordenada. O BCE voltaria a comprar diretamente bônus soberanos, além de apoiar os bancos do continente. Algum tipo de união fiscal poderia até mesmo ser declarada, envolvendo transferências dos países mais fortes para os mais fracos.

Um eventual contágio provavelmente seria transmitido através dos bancos da região, cujos custos de financiamento poderiam subir na medida em que quaisquer posições remanescentes em dívidas periféricas fossem perdendo valor. O fato de alguns bancos espanhóis e italianos terem usado empréstimos baratos do BCE para comprar mais dívida soberana doméstica poderá servir apenas para torná-los mais vulneráveis.

Mas o mundo bancário está dividido em relação ao grau de desordem que a saída da Grécia do euro provocaria. Stuart Gulliver, presidente-executivo do HSBC, amenizou os riscos na semana passada, afirmando que a zona do euro sobreviveria intacta.

Banqueiros afirmam que vêm o máximo possível em termos de planejamento para uma eventual ruptura do setor financeiro. Muitos bancos reduziram sua exposição direta à Grécia e a outros países da periferia do bloco. Regimes contingenciais estão sendo implementados para que os bancos possam se adaptar em 24 horas a uma possível reintrodução do dracma, a antiga moeda grega.

"Mas há dois senões", diz Piers Le Marchant, conselheiro geral europeu da Nomura. "Não se sabe quais ferramentas a União Europeia usaria. E não se sabe o que a Grécia ou outro país fariam em termos de mudança de legislação para introduzir controles cambiais ou outras medidas para impedir os credores de serem pagos. Basicamente, trata-se de um grande jogo de xadrez e é muito difícil vislumbrar mais de uma movimentação à frente."

Mesmo que a Grécia saia do euro de uma forma ordenada, os bancos deverão passar por um período de problemas na oferta de liquidez, custos de financiamento maiores e controle de câmbio. "É ingenuidade ao extremo acreditar que você pode limitar o efeito-dominó", afirma um executivo graduado de um banco britânico. "Tão logo a Grécia saia ou dê calote, o contágio passará como um raio para a Espanha."

Os bancos afirmam que as autoridades reguladoras recentemente ampliaram suas exigências de planejamento contingencial, ordenando a eles que se ajustem para um colapso geral da zona do euro, em vez de apenas uma saída da Grécia. "Cinco ou seis semanas atrás as exigências ficaram maiores", diz um banqueiro. "Mas, francamente, isso não tem sido de muita utilidade."

Os banqueiros se queixam que as autoridades reguladoras e os governos não estão fazendo o suficiente em termos de fornecimento de respostas sobre muitas das incertezas que persistem - como os contratos existentes seriam redenominados, por exemplo, e em que grau as cláusulas de alterações adversas seriam acionadas. Dentro das limitações existentes, porém, os banqueiros acreditam que têm feito todo o possível para se preparar.

Le Marchant diz: "A grande preocupação que tenho é a completa falta de preparo da economia real - o efeito sobre os bens e serviços".