Título: Políticos insistem num discurso muito gasto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, Opinião, p. A14

O período eleitoral é propício a grandes arroubos de retórica, mas seria recomendável aos candidatos, em especial aos que estão em posição confortável nas pesquisas de opinião, um pouco mais de bom senso e menos exagero. A começar pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, candidato petista à reeleição.

Explode em seu discurso um complexo persecutório em relação às "elites" e ele insiste na tese de que, a exemplo de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, é vítima de um complô das classes dominantes. Foi o que repetiu num encontro com artistas, no Rio, na segunda-feira. "O que aconteceu com Getúlio Vargas? Foi levado à morte. E com o JK? Foi achincalhado pelo Carlos Lacerda e por outros que ainda o representam. A elite queria fazer o Lula sangrar (...) Esqueceram um componente chamado povo brasileiro". No mês passado, Lula colocou-se novamente no rol dos políticos perseguidos pela elite, em comício em Recife: "Uma parte da elite desse país não queria e não quer o desenvolvimento que ocorre. Essa parte da elite tentou tirar Getúlio Vargas, impedir a posse de Juscelino, e tirou João Goulart".

A consultoria Economática, em estudo recente, concluiu que os ganhos de 180 empresas não-financeiras pesquisadas subiu 198,9% no governo Lula, contra 80% do aumento do lucro dos bancos. Mesmo levando-se em consideração, como sugere a consultoria, que o lucro reflete a valorização das commodities e do real frente ao dólar, é de se supor que as elites financeira e não-financeira não tenham a intenção de rasgar dinheiro. Lula está longe de ser uma ameaça a elas.

Francamente favorito nas pesquisas de opinião, o candidato tucano ao governo do Estado, José Serra, cometeu a suprema gafe de colocar o problema migratório como uma das causas da queda de qualidade do ensino público do Estado. Embora tecnicamente tenha suas razões para tanto - estudos do Seade mostram que houve um grande fluxo de migrantes para São Paulo na década de 90, que se fixaram principalmente no interior e na região metropolitana - não é plausível considerar que eleitores vindos de outros Estados vão ficar satisfeitos por serem responsabilizados pela queda na qualidade da educação do Estado.

Mas a licença para falar não se limita aos privilegiados na pesquisa. Até agora, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, não disse nada substancioso para explicar por que o PCC consolidou o seu poder em São Paulo justo no período em que esteve no governo, como governador ou na condição de vice de Mário Covas. No último ataque, brindou a imprensa com uma série de observações de que tudo "é estranho, muito estranho".

Entre todos os candidatos, no entanto, Heloísa Helena, que disputa a Presidência pelo P-Sol, investiu-se da licença para matar. Está incorporando a um pleito repleto de exageros e afirmações vazias um ímpeto lacerdista de fazer inveja aos assessores e aliados de Alckmin que defendem o endurecimento de seu discurso - mas o alvo, além de Lula, é também o PSDB. Na semana passada, referiu-se a Alckmin como o "picolé de chuchu" - apelido cuja autoria, por justiça, deve ser atribuída a Paulo Maluf - e a Lula como o "rei da abobrinha" - o ex-governador Leonel Brizola já o chamou de "sapo barbudo". Também referiu-se a Lula e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como "políticos vigaristas" e disse que os ministros do atual governo eram "moleques de recado".

Enquanto isso, os comitês eleitorais se desesperam com o que consideram uma apatia do eleitor, refletida no fato de a propaganda eleitoral gratuita quase não ter alterado as pesquisas de opinião. O discurso político de efeito, as decisões de marketing e promessas feitas para preencher expectativas de eleitor medidas por pesquisas estão se exaurindo. A propaganda eleitoral gratuita expôs em demasia as técnicas de publicidade política, como mostra a coluna de Maria Cristina Fernandes do dia 11 último no Valor ("Eleitor já viu tudo e quer mais"). A coluna relata as observações de um grupo de dez pessoas de 30 a 50 anos, recrutadas na periferia de São Paulo, com renda de até dois salários mínimos, numa pesquisa qualitativa. Sabiam de cor e salteado as técnicas de programas para emocionar e convencer. "Esse cara ainda está falando isso? E por que é que não fez?", perguntou um deles. A pesquisa não mostra desinteresse nas eleições, mas saturação do público. Está na hora de os políticos adotarem um discurso crível.