Título: "Intervenção militar não seria eficaz", diz Pires
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2006, Especial, p. A16

No cargo de ministro da Defesa deste abril, quando o vice-presidente José Alencar desincompatibilizou-se da Pasta para concorrer às eleições de outubro - acabou entrando novamente na chapa de Lula -, Waldir Pires vem defrontando-se com o debate em torno do uso das Forças Armadas para o combate à criminalidade. O ministro da Defesa é contra. Seguem-se trechos da entrevista do ministro ao Valor:

Valor: É papel do exército combater o crime organizado nos centros urbanos?

Waldir Pires: Este assunto não está dentro da órbita essencial das Forças Armadas.

Valor: Mas ela está sendo chamada a participar pelo próprio comandante em chefe, o presidente da República.

Pires: Mas não é o organismo próprio para a segurança pública interna. Hoje você não tem nem meios constitucionais para resolver esse problema, precisaríamos de uma revisão constitucional.

Valor: O problema da formação é um empecilho forte?

Pires: Elas não têm formação, não têm treinamento para isso. O Exército só pode entrar episodicamente, excepcionalmente, em intervenções pontuais, de curta duração. O enfrentamento da segurança pública requer um aparelhamento e treinamento absolutamente distinto.

Valor: A população não se sentiria mais segura com tropas nas ruas?

Pires: Isto se deve à falência dos órgãos da segurança pública que foram todos delegados, pela constituição, aos Estados. Os Estados federados ficaram com a tarefa da segurança pública, a União não. Todos sabem que o Exército não está preparado para subir o morro. Nem pode atirar no público. Mas no imaginário popular, a presença do Exército é sempre forte, respeitável. Ela pressupõe que daí decorreria uma ação competente, capaz de vencer o quadro de angústia e inquietação na alma do povo.

Valor: Está comprovado que não seria eficaz?

Pires: Uma intervenção do Exército não é de nenhum modo eficaz para a luta de manter a segurança pública, sobretudo nos centros urbanos.

Valor: Qual seria a solução?

Pires: Eu defendo a existência de uma Força Federal, que não seja o Exército. Exército, Marinha e Aeronáutica são as instituições de defesa da soberania nacional. Temos que vencer a batalha para poder reafirmar que o Estado tem condições de assegurar a paz pública. Este é um dever primário do Estado. Às vezes esta paz pública é injusta, mas esta é outra história.

Valor: O que as Forças Armadas podem ter como função dentro da nossa realidade atual?

Pires: Eu entendo que as Forças Armadas são absolutamente necessária, indispensáveis. Mas fortalecidas, adequadamente preparadas. São a garantia das instituições para mantê-las respeitadas, preservar a pátria, a soberania nacional, suas decisões. Hoje, mais do que nunca, o mundo está muito difícil. Estamos assistindo a sucessivos sinais de enfraquecimento das Nações Unidas na manutenção da paz no planeta.

Valor: São muitas as queixas sobre a falta de condições de infraestrutura para que exerçam este papel.

Pires: Isso requer investimentos. Em um eventual próximo mandato do presidente Lula, deveremos ter a preocupação de manter as Forças Armadas se aparelhando, se fortalecendo em todos os ramos, adequadamente.

Valor: Como está a questão da liberação de verbas para as Forças Armadas?

Pires: A dificuldade dos recursos sempre existiu. Eles são escassos para o tamanho da dívida social do Brasil, para a necessidade de seus investimento em infra-estrutura, desenvolvimento tecnológico.

Valor: Com todos esses problemas, não é pretensão oferecer tropas como Forças de Paz em outros países, como o Haiti, por exemplo?

Pires: Creio que não. Claro que as ações são perigosas em determinados instantes. Mas as Forças Armadas têm condições de fazer adestramento das tropas a baixo custo. Podemos ter uma baixa hoje entrando em ruas de qualquer capitais. Os nossos policiais aqui têm riscos maiores do que o exército lá fora. E nem por isso é interrompido o recrutamento de policiais. Praticamente não tivemos nenhuma baixa até o momento no Haiti - a questão do general Bacelar (Urano Bacelar, comandante das tropas que se suicidou em fevereiro) foi pessoal. (PTL)