Título: Saúde atrasa uso de padrão eletrônico
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Empresas, p. B3

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deverá adiar, mais uma vez, os prazos estabelecidos para a adoção do padrão eletrônico que pretende simplificar a comunicação entre as operadoras de saúde e os 600 mil prestadores de serviços médicos de todo o país.

Os hospitais ligados a convênios, que tinham até novembro para passar a trocar dados de maneira 100% eletrônica com as operadoras, agora terão até maio do ano que vem. Já os consultórios médicos e odontológicos, que trabalhavam com o prazo de dezembro de 2007, deverão ganhar pelo menos mais 12 meses. A informação deve ser divulgada nos próximos dias pela agência. Essa será a segunda vez que a ANS prorroga seus prazos. No início deste ano, a meta de adequação, ao menos para os hospitais, era agosto.

A decisão põe o pé no freio de um dos projetos mais ambiciosos do setor de saúde privada em andamento no país. Batizado de Troca de Informações em Saúde Suplementar (Tiss), a iniciativa da ANS começou a ser desenhada em 2003, quando a entidade recebeu o apoio de R$ 600 mil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para implementar o programa.

Depois de mais de R$ 1 milhão investidos, um comitê formado por empresários do setor, representantes do governo e universidades formalizaram um padrão de comunicação e sistemas para simplificar o intercâmbio de dados gerados com o atendimento médico prestado a 42 milhões de clientes.

Embora compulsório, o fato é que o novo regime proposto pela ANS chega para atender a um anseio antigo do setor. Divido em quatro categorias, o projeto procura dar um fim ao caos que hoje reina na saúde, ao contemplar a unificação da estrutura de dados gerados, do uso de conceitos em saúde e da forma de comunicação utilizada, bem como os critérios de segurança e privacidade.

Desta vez, no entanto, os fatores que impedem a iniciativa de ir para a frente não são as tradicionais burocracias, mas sim as limitações de infra-estrutura tecnológica do setor.

Estimativas feitas pela Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (Sbis) apontam que, atualmente, menos de 10% dos hospitais do país contam com um nível minimamente adequado de informatização, isso é, uma estrutura básica que permita armazenar informações de pacientes em um banco de dados, de forma estruturada, para trocá-los com as operadoras de saúde. "Realmente temos muita defasagem tecnológica no setor", admite a gerente-geral de integração da agência, Jussara Macedo Rötzsch.

Essa precariedade tecnológica acabou fazendo com que a agência reconsiderasse a exigência do meio eletrônico como única forma de troca de informações entre operadores e prestadores de serviços. Até o final deste ano, o que de fato passará a ser exigido é somente a substituição de centenas de guias diferentes por uma única guia-padrão, mas em papel. As principais operadoras do setor já começaram a imprimir seus talões, que serão diferenciados apenas pelo logotipo de cada empresa.

As limitações orçamentárias do setor para investimentos em tecnologia da informação levaram a própria ANS a desenvolver um software (AplicaTiss) para facilitar as transações de faturamento entre operadoras e prestadores. Após responder a um questionário, justificando a dificuldade de investir em tecnologia, o usuário tem o acesso ao sistema liberado pela agência. O recurso, porém, cumpre apenas parte das operações almejadas pela entidade. Logo, no médio prazo os gastos com informática tendem a ser inevitáveis, para todos os envolvidos.

Segundo Jussara, a ANS ainda não conseguiu calcular qual será o impacto financeiro do padrão eletrônico em toda a cadeia. As métricas, por enquanto, buscam inspiração em experiências internacionais. Nos Estados Unidos, afirma a gerente-geral de integração da agência, o custo administrativo de uma transação médica feita de maneira tradicional é de US$ 1,58. "Ao passar para o meio eletrônico, esse custo cai para US$ 0,85", comenta.

Ao citar uma avaliação feita pela America's Health Insurance Plans, Jussara afirma que e a digitalização de seus processos custaram US$ 20 bilhões às empresas dos Estados Unidos. Mas após um ano da implementação as economias geradas com o novo processo somaram US$ 88 bilhões.

As dificuldades de fazer o projeto atual deslanchar não impedem a ANS de sonhar mais alto. Segundo Jussara, as aspirações da agência não se limitarão ao setor privado. O objetivo maior será a integração dos dados dos serviços médicos particulares aos do Sistema Nacional de Saúde (SUS). Como exemplo de iniciativa similar ao seu padrão, ela cita o caso do Siga Saúde, projeto de integração eletrônica em implementação pela Prefeitura de São Paulo. "Com o Tiss funcionando, passaremos a trocar informações de maneira mais precisa com outras redes, expandindo essa integração para todos os Estados", ressalta. Não há, no entanto, um prazo determinado para que isso aconteça.