Título: Mamãe e filhinha modernas vêm com chips e sensores
Autor: Fontoura, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Empresas, p. B4

Um chip fabricado na China é acionado pela água que ao entrar bela boca põe em ação um circuito interno. O dispositivo liga o som e ela pede: "Mamãe, quero fazer xixi". A menina, cuidadosa, prepara-se para levar sua boneca ao banheiro. Ao tirar a calcinha, um outro sensor faz a fantasia ficar parecendo com a vida real.

Concentrada na brincadeira de mamãe, a menina não imagina que dentro de sua filhinha há tantos chips, sensores e componentes de alta tecnologia. Hoje, as bonecas estão cada vez mais perfeitas e interativas. E o investimento dos fabricantes nesse brinquedo tem um motivo. Elas são uma preferência nacional. Representam 45% dos brinquedos fabricados nas 317 indústrias, que faturam R$ 950 milhões por ano no Brasil. "O setor vende 40 milhões de bonecas por ano", diz Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq).

A chegada das bonecas articuladas com tecnologia embarcada, no jargão da indústria, foi em 2000. "Quando a interatividade entrou em cena, a indústria começou a investir", diz Batista. "Hoje, 50% do negócio de bonecas envolve tecnologia."

Nos 20 mil pontos-de-venda, entre lojas especializadas, magazines e supermercados, os vendedores ouvem sempre a mesma pergunta: "Mas o que ela faz?". Elas precisam falar, dar risadinhas, pedir carinho, cantar, dançar, mas, principalmente, interagir com a sua dona.

"Para muitas crianças, o brinquedo tem de atuar como amigo", diz Aires José Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela. "São cada vez menos contemplativos e têm a função de estimular." O mais novo lançamento da Estrela, por exemplo, é a Baby Amor. Tem expressão facial, pisca os olhos e pede para fazer xixi. É a aposta para o dia das crianças e Natal. O preço, em torno de R$ 100,00. A primeira boneca com dispositivo eletrônico da Estrela foi a Amore, lançada em 1980.

No ano passado, nos Estados Unidos, a Playmates Toys superou todos os fabricantes com a "Amazing Amanda". Com preço de lançamento de US$ 99, é equipada com tecnologia digital, que inclui dispositivos de reconhecimento da fala, memória, scanners e robótica facial. É capaz de reconhecer a voz da criança ao ponto de, ao ser acionada por outra voz, responder: "Você não soa como a mamãe."

No Brasil, a americana Mattel lançou a "Miracle Baby", que abre os olhos como uma criança de verdade, toma mamadeira e faz xixi. O brinquedo, fabricado na China, tem peso e pele semelhante a de um bebê de verdade. Fala como bebê, chupa o dedo, dorme, espirra, pisca os olhos, arrota, soluça e, claro, faz xixi. Entre os acessórios, fraldas, mamadeira, roupinha. Até o fim do ano, a empresa deve lançar uma novidade, ainda mantida em segredo.

A Baby Brink, com fábrica na Bahia, produz quase que exclusivamente bonecas: 95% dos produtos. "As mais interativas são as de maior venda", diz Aldir Giovani, superintendente da empresa. A Pula Corda, por exemplo, tem um sistema eletrônico que sincroniza o movimento dos braços, que giram a corda, ao das pernas pulando. Um outro chip faz ela cantar.

-------------------------------------------------------------------------------- Meninas se desinteressam das bonecas cada vez mais cedo, mas continuam comprando para decorar seus quartos --------------------------------------------------------------------------------

O processo de criação de uma boneca articulada começa com um desenho feito pela equipe brasileira da Baby Brink. A partir dele, é feito um protótipo e a voz do brinquedo é gravado em CD num estúdio, que são enviados à China. Lá, as empresas especializadas produzem o chip e os mecanismos de automatização. "Eles fazem o protótipo do chip e mandam para nossa aprovação", diz Giovani. "Algumas vezes, temos problemas e é preciso fazer correções, então o chip volta até estar perfeito."

A China, segundo Batista, da Abrinq, fabrica 75% dos brinquedos no mundo. "Não tem como comparar nossa produção com a deles. O Brasil é líder na América do Sul, porque a maioria das fábricas da região fechou." Os componentes eletrônicos dos brinquedos brasileiros, diz ele, são importados de China e Espanha. "Os espanhóis tinham a maior indústria de brinquedos do planeta, mas fecharam tudo e se especializaram em mecanismos."

Para criar brinquedos que agradem crianças cada vez menos interessadas em brinquedos, as fabricantes mantêm equipes afiadas. Na Estrela, são 15 pessoas entre escultores, estilistas, designers, cabeleireiros e especialistas em marketing. O trabalho, porém, começa com reuniões que incluem os principais interessados: as crianças.

"Hoje, elas são muito dinâmicas e estão expostas à muita informação", diz Fernandes. "Nós temos de estar sempre correndo atrás." Segundo ele, as dicas dadas pelas crianças em pesquisas são somadas às tendências mundiais que a empresa busca em feiras e intercâmbios com outros fabricantes. Depois de pronto, o brinquedo volta para apreciação e teste dos pequenos. "Nessas reuniões, nós adequamos produtos à faixa etária e observamos as reações e a maneira como brincam."

No Brasil, a boneca da Estrela mais vendida é a Susi, que atrai meninas acima de 4 anos. "Nessa fase, elas começam a se interessar pelas bonecas que chamamos aspiracionais", diz. Segundo Batista, da Abrinq, estas são as de maior participação no mercado brasileiro.

Depois, vêm os bebês carecas e no Nordeste, mais uma particularidade: lá vende-se mais as boneconas. "Quanto maior, melhor", diz Fernandes. E há casas onde as bonecas ficam envoltas em papel celofane ao lado da TV na sala. "A criança não pode brincar para não estragar."

Neste ano, a Estrela terá 180 lançamentos no total. Cem deles estão programados para o segundo semestre. Segundo Fernandes, o investimento em marketing será de R$ 9 milhões. O faturamento da empresa em 2005 foi de R$ 60 milhões e a expectativa de crescimento para 2006 é de 20%.