Título: "Formiga" consome 23% do cimento vendido no Brasil
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Empresas, p. B7

O "consumidor formiga", figura criada para caracterizar as pessoas ou famílias que adquirem cimento diretamente para erguer uma obra, reformar a casa ou fazer um puxadinho no fundo da moradia, não é o alavancador das vendas do produto no país como se supunha. Pesquisa realizada nas cinco regiões brasileiras e que acaba de ficar pronta desmistifica este fato - demonstra que o "formiga" responde por pouco mais de um quinto do total do consumo nacional e não por metade ou dois terços como se imaginava no setor, na construção civil e até entre economistas.

O trabalho foi realizado pela Galanto Consultoria, que tem à frente o economista e professor da PUC-Rio Dionísio Dias Carneiro, sob encomenda do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), que representa dez grupos fabricantes. Foi feita com base nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, referente aos anos de 2002 e 2003. A amostra da POF abrangeu 48,4 mil domicílios no país, dentro de um universo de 48 milhões.

A pesquisa revelou que as compras diretas de cimento das famílias, que geralmente recorrem às lojas de materiais de construção do bairro, representam 22,6% do total consumido no país. Conforme o levantamento, foram gastos por elas R$ 2,7 bilhões na compra desse bem e, pelo preço médio na época, o valor correspondeu a 8,2 milhões de toneladas de cimento. Em 2002, quando os pesquisadores do IBGE entraram em campo, o total de cimento consumido no país foi de 38 milhões de toneladas.

"O objetivo foi traçar o consumo domiciliar, que está presente em todas classes de renda", explicou Marcus Valpassos, da Galanto, que participou da pesquisa. A POF retrata todas as despesas feitas por uma família num determinado ano: com arroz, feijão, roupas, materiais de construção em geral e bens eletrodomésticos, entre outros itens.

"Ficou caracterizado que o cimento é um bem essencial na vida do brasileiro: quase 20% dos domicílios do país adquiriram o produto naquele ano", comentou Valpassos. Ele menciona outro fator: a baixa taxa de consumo desse bem nos domicílios de menor renda mostra que há um desejo refreado de compra por absoluta falta de renda para tal.

Ao detalhar o perfil de consumo do "formiga", por faixas de renda, a pesquisa aponta que as famílias que recebiam até três salários mínimos (na época o correspondente a R$ 600 por mês), representaram 17% do cimento consumido dentro desse segmento. Ampliada a radiografia para até cinco salários - 51,2% dos domicílios no país -, a participação sobe para 35,6%.

"Como o segmento do "formiga" representa apenas 22,6% do consumo total e estes domicílios de menor renda não têm participação importante em outros segmentos de mercado, como a construção residencial formal, a parcela do total do consumo aparente que corresponde a eles é de apenas 8%, ou 2,9 milhões de toneladas de cimento", observam os responsáveis pela pesquisa. Dessa forma cai por terra o mito de que o consumidor de baixa renda é que puxa as vendas do produto e seria responsável por uma explosão de demanda caso tivesse renda dobrada.

Em outro extremo, quem ganhava acima de 10 salários mínimos respondeu por 35,2% das compras. Alargando a base, de cinco salários para cima, a participação chega a 64,4% do total.

José Otávio Carvalho, secretário executivo do SNIC, explica que o objetivo do trabalho foi traçar o real perfil do "consumidor formiga", que adquire desde poucos quilos ou um ou vários sacos de cimento para realizar sua obra. Por se utilizar dos canais de revenda, imaginava-se, erroneamente, que respondia por dois terços das vendas do produto. Nas lojas e depósitos de materiais também se abastecem, segundo Carvalho, pequenas construtoras e fabricante de artefatos (blocos de concreto, tijolos). Valpassos lembra que a pesquisa não retratou o dono de uma padaria ou de um escritório que fez uma obra nova ou ampliação - apenas famílias.

A pesquisa do SNIC/Galanto, pela sua riqueza de dados, traz uma série de análises que abrangem o perfil do consumidor de material de construção, com destaque para o cimento, nas cinco regiões do país e por faixas de renda e gastos.

No Brasil, o uso do cimento tem o seguinte perfil: 78,1%, edificações; 19,3%, obras de infra-estrutura; e 2,6%, setor agropecuário. Assim foi a distribuição por canais de vendas no primeiro semestre de 2006 -- 66,4% para revendas, 18,1% para aplicações industrial e final (construtoras e fabricantes de fibrocimento, pré-moldados, artefatos, argamassas), 12,9% para concreteiras (usinado) e 2,6% para exportação. O mercado usinado ainda é tímido no país quando comprado aos de EUA (80%), Chile (40%) e México (25%).