Título: Hollande inicia negociação com Merkel para atenuar austeridade
Autor: Moreira,Assis
Fonte: Valor Econômico, 16/05/2012, Internacional, p. A11

O novo presidente da França, François Hollande, e a premiê alemã, Angela Merkel, mostraram ontem convergência sobre a Grécia e prometeram ação para o crescimento na Europa sem, porém, esconder que divergem sobre como isso pode ocorrer.

Os líderes das duas maiores economias da Europa tiveram seu primeiro encontro bilateral à noite em Berlim, depois de uma atribulada viagem de Hollande, que teve de voltar a Paris numa primeira etapa, após seu avião ser atingido por um raio.

Na entrevista coletiva após a reunião, Merkel tratou de lembrar que o pacto fiscal, assinado em março, que obriga os governos da zona do euro a um rígido controle para reduzir dívida e déficit, está valendo, mas que ela está aberta a discutir medidas para estimular o crescimento.

Merkel mencionou "pontos de acordo" com Hollande sobre o crescimento, mas reconheceu que se trata de um "conceito geral", que cobre diferentes medidas, e admitiu sinais de divergência.

Já Hollande deixou clara a importância maior que quer dar ao crescimento na Europa. Disse que "tudo deve ser colocado à mesa" na cúpula dos líderes europeus no dia 23, em Bruxelas, incluindo a criação de eurobônus, os títulos comuns europeus.

Indagado sobre se continuava a pedir a renegociação do pacto fiscal, Hollande disse que se pronunciará definitivamente quando terminar as discussões com os lideres europeus, nas próximas semanas.

Enquanto Hollande disse querer, entre a França e a Alemanha, "uma relação equilibrada e respeitosa de nossas sensibilidades politicas", Merkel afirmou que a imprensa dá uma dimensão exagerada às divergências entre eles.

Oito dos 17 países da zona do euro estão oficialmente em recessão. E, se grande parte da Europa está doente, a Alemanha pode acabar afetada também.

Sobre a Grécia, os dois disseram querer que o país continue na zona do euro, mas que Atenas deve respeitar os compromissos assumidos. Eles prometeram que, após a eleição de 17 de junho, a Europa poderá propor novas medidas de crescimento para ajudar o país.

A conversa foi nos seus idiomas respectivos, com algumas frases em inglês. Mudaram o estilo e a agenda da discussão franco-alemã. Hollande foi a Berlim depois de assumir a Presidência, passar por várias cerimônias, mudar de terno três vezes por causa da chuva em Paris e nomear como primeiro-ministro seu colega socialista Jean Marc Ayrault, que fala alemão.

Para o professor Charles Wyplotz, do Instituto Internacional de Altos Estudos de Genebra, os pontos de um acordo entre a França e a Alemanha parecem claros. Na sua visão, até agora o que se passava é que Berlim impunha sua vontade, enquanto o ex-presidente Sarkozy apoiava Merkel desde que desse a impressão de que co-geria a crise europeia.

François Hollande mostrou ontem que não será tão maleável. Quer da Alemanha uma política fiscal menos rígida do que a que resultou na eleição na Grécia, muito dogmática e extrema. "O ponto de equilíbrio no interior da zona do euro vai se mover, será mais razoável e diferente", avalia Wyplotz, também consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE).

Isso significa uma alteração de política puramente de austeridade que exigia equilíbrio fiscal rapidamente, sem senso econômico e com recessão. "O que vai haver agora é um rigor menos violento, com o equilíbrio fiscal espaçando de dois para vários anos", prevê.

Os países mais endividados, como a própria França, têm pouca ou nenhuma margem de manobra fiscal. Por isso, a expectativa é que o BCE vai ter possibilidade de ser mais eficaz, podendo passar a comprar ou garantir dívida soberana diretamente, para reduzir os spreads na zona do euro.

Wyplotz prevê ainda mais tolerância sobre reestruturação de dívida. Houve o caso da Grécia, que reduziu sua dívida em mais de € 100 bilhões. Mas lembra que Portugal, Itália e até a França, podem seguir esse caminho se entrarem em crise. "A posição alemã era não voltar a reestruturar dívida, mas acho que isso será flexibilizado."

Para o professor, com essas medidas o BCE não precisará repetir as megaoperações de liquidez de até € 1 trilhão para os bancos da zona do euro. "Essa foi a maneira de contornar o veto alemão a uma ação maior do BCE, mas agora a autoridade monetária poderá tomar a linha de frente, por um eventual acordo" que os franceses buscarão.