Título: Drible suas dívidas
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 27/10/2010, Economia, p. 11

Com quase 25% da renda comprometidos com o pagamento de juros, brasileiros começam a migrar do cheque especial e do cartão de crédito para operações mais baratas. Inadimplência cai e afasta risco de onda de calotes

Quase no limite do endividamento, os brasileiros se deram conta de que não dá mais para ficar preso ao cheque especial ou ao rotativo do cartão de crédito que cobram juros de mais de 10% ao mês. Eles estão buscando opções mais baratas para manter o poder de compra. Segundo especialistas, o sinal amarelo acendeu depois que as dívidas passaram a comer uma parcela importante do orçamento mensal. De acordo com o Banco Central, em 12 meses, os débitos acima de R$ 5 mil avançaram 52%. Com isso, o comprometimento da renda com encargos financeiros superou até mesmo o dos norte-americanos. Enquanto 17,02% dos salários nos EUA são destinados às prestações, aqui, o índice está em 23,8%.

No Brasil, o poder de compra é corroído, principalmente, pelas altas taxas cobradas pelos bancos. De cada R$ 100 gastos com um empréstimo, R$ 62 são destinados à quitação dos juros. Diante desse quadro, mostrou o Banco Central, não restou outra alternativa aos consumidores que não migrarem para modalidades de financiamento mais acessíveis. Tanto que a concessão de crédito no cheque especial recuou 2,8% entre agosto e setembro. No trimestre, o tombo foi de 1,3%.

Consignado Com o cheque especial perdendo espaço, o consignado caiu no gosto dos brasileiros. Entre os trabalhadores do setor público, tal opção avançou 29% em 12 meses. No setor privado, no qual o volume de recursos demandando ainda é pequeno, a expansão foi de 41,7% no mesmo período. É um claro sinal de migração do crédito. As famílias estão saindo das modalidades caras e indo para as mais baratas, explicou Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC.

A funcionária pública Maria de Jesus da Silva, 55 anos, não quer mais ouvir falar sobre cheque especial. Há quase uma década, ela recorre ao empréstimo com desconto em folha para pagar as despesas acumuladas e driblar juros elevados. Não peço dinheiro emprestado a ninguém. Faço (as operações) pela internet e o pagamento é debitado no meu contracheque, disse. A taxa do consignado está em 26% ao ano. Mas, para Altamir Lopes, apesar de ser uma das menores do mercado, ainda é pesada para o consumidor. Não é o melhor dos mundos, mas já é uma taxa mais civilizada, ponderou. Também está incorporando mais trabalhadores da iniciativa privada. Antes, havia mais dificuldade para que esse público acessasse essa linha, concluiu.

Concorrência Segundo Miguel Oliveira, economista-chefe da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a concorrência no setor bancário é uma das responsáveis pela migração para linhas mais baratas. Para não perder os clientes, os bancos estão se antecipando e oferecendo opções mais em conta aos consumidores, disse. A disputa entre as instituições e a movimentação dos clientes também estão impulsionando a queda nos juros. Em setembro, a taxa média cobrada das pessoas físicas caiu 0,4 ponto percentual e chegou a 39,6% ao ano o menor valor já registrado desde 1994.

Os custos do crédito pessoal e do financiamento de veículos também chegaram ao menor patamar dos últimos 16 anos. No primeiro, a taxa recuou 0,4 ponto, para 41,6% ao ano. No caso dos automóveis, a queda foi menor, de 0,1 ponto percentual. Chegou a 23,3% ao ano. A expectativa de analistas é de que os custos dos financiamentos continuem a encolher. Segundo o BC, a inadimplência caiu 1,5% nos últimos 12 meses e o spread (diferença entre o que o banco paga para captar recursos e o que cobra nos empréstimos) diminuiu 1,9 ponto. Se esses indicadores continuarem a baixar, as taxas cobradas dos consumidores também tendem a cair. Ambos são componentes importantes na definição do tamanho dos juros.

Cautela com as compras de Natal » A despeito do crédito mais em conta e do 13° salário no bolso, no Natal, os consumidores ainda precisarão ficar atentos aos juros e aos prazos dos financiamentos. De acordo com a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), os brasileiros não têm o hábito de pesar as taxas no momento da compra. Avaliam apenas o tamanho das parcelas e se elas cabem no orçamento. No primeiro trimestre de 2011, as prestações vão se acumular com o pagamento de matrícula escolar, de materiais e de impostos. Se as compras de fim de ano não forem bem planejadas, as dívidas podem acabar sendo atrasadas e o nome do consumidor incluso nas listas da Serasa Experian e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Casa demorada O prazo para a entrega do imóvel adquirido na planta vai aumentar. Diante da escassez de mão de obra e de equipamentos, as empresas já admitem estender o período previsto para a entrega dos imóveis, dos atuais 30 a 36 meses, em média, para algo entre 40 a 48 meses. É melhor trabalhar com um prazo dilatado do que sofrer queda da credibilidade e problema com a imagem da empresa, admitiu o vice-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Ricardo Yazbek.

A entidade detectou a ocorrência de alguns atrasos na entrega de imóveis comprados nas plantas, principalmente nos grandes centros do Sul e do Sudeste. Felizmente são casos pontuais, mas causam um enorme desgaste com os adquirentes, disse Yazbek. O engenheiro garantiu que nenhuma construtora gosta de entregar a obra após a data prevista, porque o atraso sai caro. Além do prazo previsto contratualmente, construtoras e incorporadoras trabalham com um período de tolerância, geralmente de seis meses. Um imóvel não entregue a partir desse prazo passa a gerar multas e despesas adicionais à empresa, como o pagamento de aluguel ao adquirente.

Mão de obra Há, segundo Yazbek, pelo menos quatro fatores que contribuem para o atraso, entre eles problemas climáticos, como as chuvas. Mas o que vem pesando mesmo no atraso dos empreendimentos é a escassez de mão de obra, aliada ainda à falta de materiais de suporte para a construção. Os equipamentos de fundação, por exemplo, são alugados e, com a concorrência de obras públicas, as empresas não conseguem locar o que precisam rapidamente, relatou.

A demanda por financiamento habitacional tem feito o setor da construção civil crescer como nunca. Dados do Banco Central mostram que enquanto todo o crédito do país expandiu-se 15,1% em 12 meses, o habitacional disparou 51,2% no período. A jovem Natasha Reis, 22 anos, ajudou a aumentar essas estatísticas. No mês passado, ela e o namorado recorreram à Caixa Econômica Federal para financiar um apartamento de dois quartos. Encontramos as menores taxas de juros, que se enquadram perfeitamente em nosso orçamento, disse. (VC e VM)