Título: Salários e desequilíbrios em conta corrente são custos da globalização
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Internacional, p. A9

Neste ano, o simpósio anual do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) concentrou-se em como a ascensão da China, Índia e de outros países está reorganizando a economia mundial.

Vejamos os salários, por exemplo. Comumente, acredita-se, que os salários da mão-de-obra não especializada nos países ricos estão sendo comprimidos devido à migração de empregos para países onde os salários são baixos. Mas um estudo apresentado no simpósio por Gene Grossman e Esteban Rossi-Hansberg, da Universidade Princeton, apresentou uma visão mais rósea, argumentando que a "exportação" do emprego pode, na realidade, elevar os salários dos trabalhadores não especializados.

A exportação dos empregos melhora a produtividade e o lucro das empresas, o que permite a elas contratar mais trabalhadores em seu mercado interno, o que faz subirem os salários que remuneram atividades que não podem ser facilmente terceirizadas no exterior.

Os autores têm razão em destacar que o impacto da exportação de empregos não é tão ruim quanto geralmente caracterizado. Mas cálculos deles próprios mostram que, entre 1997 e 2004, esse "efeito de produtividade" positivo não bastou para compensar a pressão redutora dos salários, tanto pelo fato de haver mais trabalhadores no mundo como pelos bens mais baratos produzidos com emprego intensivo de mão-de-obra e importados de países onde os salários são baixos. O impacto líquido ainda é de compressão salarial para a mão-de-obra não especializada.

Dados objetivos mostram que trabalhadores não especializados não são os únicos que estão sob pressão. Nos EUA, na zona do euro e no Japão, os salários totais caíram para sua mais baixa participação na renda nacional em décadas, enquanto que os lucros cresceram. Isso é o que seria de esperar, tendo em vista que a integração das economias emergentes na economia mundial fez crescer sensivelmente a proporção mundial de mão-de-obra sobre capital. Mas esse fato quase não foi mencionado no encontro do Fed. Afoitos para aplaudir os benefícios da globalização para as economias como um todo, os economistas revelaram-se relutantes em admitir que nos últimos anos a remuneração média real dos trabalhadores nos países ricos estagnou ou mesmo caiu.

Ben Bernanke, o presidente do Fed, foi um dos poucos a justificar uma ajuda aos prejudicados. A escala e o ritmo da globalização, argumentou, não têm precedentes e os ganhos globais serão enormes. Mas há riscos de oposição social e política, à medida que parte dos trabalhadores perde seus empregos. As autoridades, disse ele, precisam "garantir que os benefícios da integração econômica mundial sejam compartilhados com suficiente abrangência", de modo a manter o incentivo ao livre comércio e conter o protecionismo. O problema é que o número de prejudicados - inclusive aqueles sujeitos a baixos salários reais - pode ser maior do que ele pensa.

Outra conseqüência da integração mundial é o acúmulo de desequilíbrios em conta corrente. Pelos manuais de economia, o capital deveria fluir de países ricos para os pobres, que têm menos capital e dão maior retorno. Em vez disso, o capital está fluindo "rio acima". A renda média per capita em países com superávits em conta corrente é hoje muito inferior do que nos países com déficits (veja gráfico). O caso mais notório é o dos EUA, cujo déficit está sendo em larga medida financiado por compras de títulos do Tesouro americano.

Estará essa escassez de capital estrangeiro prejudicando o crescimento das economias emergentes? Ao tomar empréstimos no exterior, um país em desenvolvimento deveria ser capaz de incrementar seu investimento e, portanto, sua taxa de crescimento. Surpreendentemente, porém, um estudo de autoria de Eswar Prasad, Raghuram Rajan e Arvind Subramanian, do Fundo Monetário Internacional (FMI), concluiu que os países em desenvolvimento com déficit em conta corrente (isto é, que tomam empréstimos do exterior) cresceram mais lentamente do que os que registram superávits.

Uma explicação é que os países em desenvolvimento têm capacidade limitada para absorver capital estrangeiro, por causa de seus sistemas financeiros subdesenvolvidos, o que torna difícil, para empresas e famílias, levantar empréstimos. Se o crescimento da produtividade aumenta, as famílias poupam grande parte do crescimento de sua renda em vez de gastá-la, ao passo que o investimento das empresas permanece limitado por fundos gerados internamente. Assim, crescimento mais rápido faz a poupança crescer em relação ao investimento e cria um superávit em conta corrente (ou déficit menor).

Para alguns participantes do simpósio do Fed, isso sugeriu menor necessidade de nos preocuparmos com os desequilíbrios mundiais. Se os países em desenvolvimento com rápido crescimento gerarem mais poupança do que têm condições de empregar, os americanos poderão continuar a financiar seu déficit.

Mas ao incorrer em superávits, as economias emergentes estão beneficiando-se de menos investimentos e consumo do que poderiam. Com o tempo, sistemas financeiros mais maduros permitirão maiores gastos e os superávits desses países em relação ao exterior desaparecerão.

Segundo algumas estimativas, graças às compras de títulos do Tesouro dos EUA pela China e outras economias emergentes, o rendimento dos títulos americanos estão até dois pontos percentuais mais baixos do que seriam sem essa demanda pelos papéis. Se os países emergentes perderem seu apetite por esse tipo de ativos, a rentabilidade poderia dar um salto e o dólar despencar.

As economias emergentes também permitiram que os principais bancos centrais mantivessem os juros de curto prazo em patamares mais baixos, facilitando o cumprimento das metas de inflação. Ken Rogoff, da Universidade Harvard, argumentou em seu estudo que a integração da China à economia mundial ajudou a manter a inflação baixa, ao reduzir o poder de barganha dos trabalhadores, fortalecendo assim também a credibilidade dos bancos centrais.

Ele sugeriu que os presidentes de bancos centrais deveriam ter reagido à queda nos preços de importação dos produtos chineses, permitindo que a inflação caisse para abaixo da meta. Mas o Fed manteve os juros excepcionalmente baixos para evitar isso.

A economia americana beneficiou-se enormemente dos juros e da rentabilidade dos títulos do Tesouro mais baixos, graças às economias emergentes. O dinheiro barato ajudou a inflar uma bolha de investimentos no mercado habitacional e a dar sustentação aos gastos do consumidor. Mas o que aconteceria se o impacto da globalização sobre a inflação entrar em marcha a ré ou se as economias emergentes perderem sua atração pelo dólar? As duas coisas provocariam uma elevação no custo de tomada de empréstimos, com conseqüências infelizes para a endividada economia americana.

Os estudos estão disponíveis no endereço www.kc.frb.org/publicat/ sympos/2006/sym06prg.htm