Título: CVM precisa zelar pela boa reputação conquistada
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Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Opinião, p. A10

A Comissão de Valores Mobiliários passa pelo constrangimento de investigar um suposto vazamento de informações sobre um parecer a respeito de reestruturações societárias que atinge diretamente a operação em mercado da Telemar. Um de seus diretores pediu afastamento até o fim da averiguação e o que está em jogo é a reafirmação da integridade e reputação da CVM como xerife do mercado de capitais. Apurar integralmente os fatos e responsabilidades é vital em um momento em que a autarquia, com seu ativismo positivo na regulação e fiscalização, tornou-se um norte para os investidores.

A CVM tem atuado com intensidade e tempestividade nos últimos anos. Sob a direção de Marcelo Trindade, tem criado disputas importantes com grupos influentes, amparada no aprimoramento da legislação regulatória, que serve de base para limpar o terreno das dúvidas e facilitar a fiscalização. "Claramente, a fiscalização e a punição eram os dois pontos que precisavam melhorar", disse Trindade recentemente ao Valor. Além de reforçá-las, a CVM teve seu papel ressaltado pelo boom de ofertas públicas iniciais de ações a partir de 2004. A nova etapa do mercado de capitais, que, com a estabilidade econômica, poderá se tornar fonte de financiamento a bom custo para as empresas, exige a presença ativa do órgão regulador. A CVM não tem faltado a sua missão.

Os números atestam a vigilância. No ano passado, foram expedidos 14.900 ofícios a agentes de mercado apontando falhas, movimentações atípicas ou informações descasadas. A arrecadação da CVM foi recorde: R$ 130,28 milhões. Ao longo do ano, apontou também 162 casos de negociações suspeitas ou irregulares na Bolsa de Valores de São Paulo e BM&F. Suas ações se estenderam com presteza à regulamentação dos fundos de renda fixa, com o objetivo de estabelecer limites ao percentual de títulos privados em carteira. "É necessária uma parcela maior de intervencionismo, principalmente na garantia da informação", disse Trindade ao Valor (5 de julho).

É nesta busca da isonomia na divulgação de informações relevantes para todos os investidores e acionistas e na garantia de direitos legais que a CVM tem enfrentado seus maiores desafios. Sob pressão, a autarquia deve reunir em breve sua direção colegiada para decidir sobre o parecer das superintendências de registro de valores mobiliários e de relações com empresas, favorável à obrigatoriedade de realização de oferta pública de aquisição de ações de Arcelor Brasil pela Mittal. O indiano Lakshmi Mittal, detentor da terceira maior fortuna do mundo, esteve pessoalmente no Brasil para reafirmar que não julga necessário desembolsar mais US$ 5 bilhões numa operação de "tag along" para minoritários brasileiros, já que, para ele, houve fusão e não compra de empresas. A área técnica da CVM tem se posicionado pelo entendimento de que houve mudança de controle acionário.

Ao mesmo tempo, a CVM se viu às voltas com a maior operação em curso no mercado, a de oferta pública de troca de ações preferenciais por ordinárias da Telemar - à razão de 2,6 ações PN por uma ON - , que daria início à pulverização do capital da operadora. A autarquia emitiu parecer segundo o qual nos casos em que o controlador define a relação de troca com valores diferentes para ações ON e PN, apenas os detentores das preferenciais deveriam ter voto na assembléia que aprovaria a operação.

Ironicamente, foi durante uma boa batalha por direito de acionistas que a CVM tornou-se objeto de suspeitas de vazamento da informação. O diretor Sérgio Weguelin, segundo nota da CVM, recebeu e-mail de um investidor inconformado com a operação da Telemar, que cobrava governança no país, e cometeu a inconfidência de revelar que a autarquia iria divulgar parecer a respeito. Um dia antes da divulgação do parecer, alguns investidores entraram pesadamente no mercado de aluguel de ações, apostando na queda das ONs, o resultado óbvio esperado de um parecer contrário à Telemar, e embolsaram um bom dinheiro.

O afastamento do diretor e a transparência com que a CVM tratou do caso até agora foram irretocáveis. E nem poderia ser diferente porque a CVM tem sido implacável com bancos, corretoras e empresas em caso envolvendo informações privilegiadas. Mas uma investigação que não seja esclarecedora porá a perder seu trabalho. Para o mercado de capitais, é o pior que poderia acontecer.