Título: Cachoeira montou rede multipartidária em GO
Autor: Junqueira ,Caio
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2012, Política, p. A8

Foi nas mãos do PMDB que os dois principais braços empresariais do esquema de corrupção desvendado pela Operação Monte Carlo chegou ao poder público de Goiás. Coube ao então governador Maguito Vilela, em 1995, terceirizar a gestão da loteria estadual. Venceu a Gerplan, de Carlinhos Cachoeira. Anos depois, quando o ex-ministro da Agricultura de José Sarney (PMDB), ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e ex-governador Íris Rezende, renasceu politicamente na Prefeitura de Goiânia em 2005, assinou com a construtora Delta nada menos do que dez contratos para execução de obras na cidade. Contratos que se disseminaram, inclusive por outros municípios, importantes do Estado, como Aparecida de Goiânia e Catalão, nas mãos do PMDB, e Anápolis, pelas mãos do PT. No governo do Estado, a Delta entrou via Alcides Rodrigues (PP), o vice que Marconi Perillo (PSDB) elegeu governador e que depois virou seu desafeto.

Perillo retomou o poder em 2010, quando se abriram de vez as comportas para as ligações agora investigadas numa CPI no Congresso Nacional, onde deporá, amanhã, o contraventor pivô do caso, cujos bens foram bloqueados sexta-feira pela Justiça. Só que agora a Delta já se encontra na condição de uma das maiores contratantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. O que explica a estratégia da maioria governista, em Brasília, em atuar para evitar que essas ligações respinguem no Palácio do Planalto. Tanto que o governo tem tido dificuldade em retirar conotação política da venda da empreiteira à JBS, empresa goiana representada pelo também goiano ex-presidente do Banco Central, pemedebista Henrique Meirelles, que já teve entre seus colaboradores um dos investigados.

Wladimir Garcêz, preso na operação, foi importante colaborador da campanha de Meirelles a deputado federal em 2002, pelo PSDB. À época, era presidente da Câmara Municipal de Goiânia. Conhecido como "um político para negócios", sempre transitou com destreza na classe política de Goiás. Por exemplo, foi eleito presidente do Legislativo da cidade com apoio do PT.

Seu maior feito à frente da Casa foi protagonizar, segundo a PF na época, um esquema de desvio de R$ 7 milhões em contribuições previdenciárias ao INSS de servidores da Casa. Desgastado, sequer concorreu à reeleição. Caiu no ostracismo político para retornar na campanha de Perillo em 2010, já como representante da Delta.

Tendo de enfrentar contra si três máquinas administrativas - a federal, a estadual e a municipal - Perillo apostou em uma campanha forte na arrecadação. A Garcêz foram dadas algumas missões. Oficialmente, na área política. Extra-oficialmente, na área financeira. A prestação de contas do governador apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que ele recebeu R$ 29,7 milhões mais R$ 22,8 milhões destinados ao comitê financeiro único do PSDB de Goiás. Seu principal adversário, Íris Rezende (PMDB), angariou quatro vezes menos: R$ 10,9 milhões para si e R$ 200 mil para o PMDB goiano. Não constam doações da Delta a nenhum deles.

Depois da vitória de Perillo, Garcêz cooperou para a principal operação política traçada pelo tucano: reaproximar-se do Palácio do Planalto. Após declarar em 2005, publicamente, que avisara ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva dos rumores de pagamento de mesada a parlamentares em seu governo e, dois anos depois, articular a queda da CPMF no Senado, Perillo entrou no rol dos inimigos de Lula. Desde então, o petista tudo fez para fechar-lhe as portas em Brasília. Conseguiu, mas Dilma as vinha reabrindo.

A reaproximação com o Executivo era mais do que necessária. Ao assumir o terceiro mandato como governador, sua equipe difundiu a versão de que as finanças públicas estavam deterioradas e a capacidade do governo de investir era próxima de zero. Basicamente, uma folha de pagamento atrasada em R$ 550 milhões, R$ 2 bilhões de déficit e R$ 900 milhões em contas a pagar.

Apesar de seu antecessor, Alcides Rodrigues (PP), contestar esses dados, o tucano precisava do governo federal, agora sem Lula, para obter outras fontes de financiamento. Garcêz auxiliou o governador, mediante uma triangulação política com dois conterrâneos situados, regionalmente, em campos políticos adversários.

Um deles é o subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Olavo Noleto, um popular militante petista em Goiás. O outro é o ex-governador, ex-senador e atual prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela (PMDB). Para cada um dos três, a aproximação era conveniente.

Noleto fora chefe de gabinete do prefeito de Goiânia Pedro Wilson (PT), na primeira metade do mandato do petista, entre 2001 e 2002. Com a vitória de Lula, foi levado a Brasília pela goiana Sandra Cabral, que assessorou José Dirceu na Casa Civil no início do governo Lula. Tal qual Dirceu e outro goiano, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, ela caiu no escândalo do mensalão. Isso criou um vácuo de poder federal do petismo goiano que passou a ser, aos poucos, sendo assumido por Noleto.

Ele nunca escondeu suas aspirações eleitorais. Mas sabe do pífio desempenho que o PT regional costuma ter em eleições no Estado. São 14 prefeituras de um total de 246. Na Câmara Municipal da capital, são 2 petistas entre 35 vereadores. Na Assembleia, 4 de 41. Optou então pelo projeto de alcançar o Executivo e começou a trabalhar por isso. O primeiro passo foi transferir o domicílio eleitoral, em 2011, de Goiânia para Aparecida de Goiânia. O segundo foi deixar circular seu nome como possível vice na chapa à reeleição de Maguito neste ano. O terceiro foi se empenhar nas articulações em Brasília para drenar o município com recursos federais.

Considerando-se apenas os convênios da União com a cidade, foram transferidos a Aparecida R$ 31 milhões em 2011. Em 2012, R$ 43 milhões. Petistas argumentam que isso se deve também ao fato de Maguito ter seus canais em Brasília, além de chefiar a segunda maior cidade do Estado, com 442,9 mil habitantes, e um dos maiores bolsões de pobreza do Centro-Oeste brasileiro. Entretanto, nem municípios petistas como a tradicional Anápolis, com seus 324,3 mil habitantes, foram tão beneficiados. Ali, foram R$ 11 milhões em 2011 e R$ 20 milhões em 2012. Luziânia, onde moram 165,4 mil pessoas e é governada pelo PSDB, recebeu dos cofres nacionais R$ 260 mil em 2011 e R$ 14,3 milhões neste ano.

Ciente desse importante canal para solver as finanças estaduais, Perillo estreitou laços com Noleto. Não sem antes fazê-lo também com Maguito, que passou a participar com ele de atos públicos em Goiânia e também a elogiá-lo em discursos. Para o pemedebista, a vantagem é evitar que o governador frustre seus planos eleitorais em 2012, apoiando um candidato adversário. Para o tucano, abre uma brecha para não ter um opositor na região metropolitana de Goiânia, onde o eleitorado é resistente ao tucano.

Com a ajuda da União, Perillo inverteu a previsão inicial de quando reassumiu o Palácio das Esmeraldas de fechar o primeiro ano do mandato no vermelho. A maior conquista foi desfazer o acerto de Lula com o antecessor sobre a falida Companhia Energética de Goiás (Celg). Com a autorização de Dilma, a Eletrobras assumiu 51% da empresa e injetou R$ 5 bilhões no Palácio das Esmeraldas. A Caixa Econômica Federal colocou outros R$ 400 milhões, ao desbancar o Itaú e assumir a folha de pagamento do Estado. Somam-se a isso outros R$ 2 bilhões do PAC do Saneamento e mais de R$ 2 bilhões do BNDES para uma das vitrines de Marconi neste mandato, a construção e recuperação da malha viária do Estado. Até mesmo uma junção de programas sociais já esta sendo acertada, via Ministério do Desenvolvimento Social.

Assim, após o ajuste fiscal do primeiro ano, o caixa goiano entrou em 2012 com boa situação. Chegara a hora de mostrar serviço à população. Era o que seus eleitores esperavam, após um sentimento generalizado de paralisia em 2011. O que contrastava com o "marconismo", movimento que surpreendeu ao derrotar o até então imbatível PMDB de Maguito Vilela e Íris Rezende nas eleições estaduais em 1998 e 2002. Em ambas as ocasiões, recebeu o apoio do PT no segundo turno. Sempre com o discurso da modernidade na prática política e nas ações de governo. Mediante uma política agressiva de incentivos fiscais, incrementou a indústria no Estado, cujo PIB passou a crescer a taxas superiores à média nacional. Mas aos poucos rendeu-se às velhas práticas políticas nacionais, como fisiologismo, autoritarismo e leniência com a corrupção. Contra ele, por exemplo, tramitaram inquéritos por suspeitas de corrupção no Supremo Tribunal Federal.

Nenhum deles, porém, sobre o ato que mais liga seus mandatos anteriores ao empresário Carlos Cachoeira: a lei estadual 11.639 de 2000. Por meio dela, ficou autorizada a exploração de jogos caça-níqueis em Goiás, algo que legalizou o que Cachoeira já fazia e lhe permitiu impulsionar seus negócios. O Supremo Tribunal Federal, contudo, já dava sinais de que declararia inconstitucionais as loterias estaduais. Para Goiás, isso foi confirmado em 2007. Desse modo, Cachoeira precisava encontrar outra forma de legalizar o dinheiro arrecadado com jogos.

O relatório da PF aponta que empresas que financiaram as campanhas do governador Marconi Perillo e do senador Demóstenes Torres (ex-DEM), em 2010, receberam recursos repassados por uma empresa de fachada do grupo de Cachoeira. A origem do dinheiro, revela a investigação, seria a Delta. Perillo nega esse esquema.

Os áudios vazados até agora, contudo, apontam relacionamento da equipe de Cachoeira com políticos próximos a ele e a praticamente todos os partidos políticos no Estado. Algumas dessas conversas custaram cargos de alto escalão. O prefeito petista de Goiânia, Paulo Garcia, demitiu Andrey Azeredo, secretário de Comunicação que antes coordenava as licitações municipais. Ele foi flagrado em um áudio com Garcêz, que lhe pediu ajuda para uma amiga que trabalha na prefeitura. O chefe de gabinete de Garcia também caiu, após ter sido revelado que ele articulou um encontro de vereadores com Cachoeira e Garcêz.

Entretanto, os áudios mais comprometedores da operação são relacionados ao governo de Perillo. Eles apontam para uma estrutura de poder de Cachoeira na área que lhe interessava, a Segurança Pública. Em decorrência disso, já foram demitidos auxiliares ligados à área, caso do o ex-procurador chefe administrativo Marcelo Siqueira, do ex-procurador-geral do Estado Ronald Bicca, e do ex-presidente do Detran Edivaldo Cardoso. A ex-chefe de gabinete de Marconi Perillo, Eliane Pinheiro, também caiu, após vir à tona um áudio em que ela alerta um prefeito suspeito de que haveria uma operação que poderia prendê-lo. O governador deixou, todavia, de mexer na Secretaria de Indústria e Comércio, onde o secretário Alexandre Baldy, natural de Anápolis, terra natal de Cachoeira e auto-declarado seu amigo, abrigou funcionários do bicheiro e de Garcêz.

Na Assembleia, a minoria oposicionista, PT e PMDB, pressionou pela instauração de uma CPI que investigasse as ligações de Cachoeira com o governo do Estado desde os anos 90. No entanto, o governador utilizou-se da maioria que tem na Casa para alterar o objeto da comissão, que passou a ser as prefeituras da oposição. Também determinou que a apuração passasse longe do Palácio do Planalto. O movimento é idêntico ao que ocorre em Brasília, onde uma maioria governista - no caso PT e PMDB - tenta afastar o foco da investigação sobre sua alçada e limitar a investigação.

A equipe de Perillo (PSDB) nega qualquer participação ilícita dele no esquema Delta-Cachoeira. Os assessores veem exploração política do fato de ele ser desafeto de Lula e presidenciável. Argumentam não haver atos de governo que o liguem diretamente a Cachoeira. Também não revelam surpresa com a complicada trama envolvendo a venda da casa do governador - comprada, segundo a Polícia Federal, por um sobrinho de Cachoeira. Com a intermediação de Garcêz. Sobre a Delta, dizem que ela venceu R$ 47,5 milhões de um total de R$ 631 milhões licitados. Já a Prefeitura de Goiânia, antes com o PMDB e agora com o PT, suspendeu todos os contratos com a Delta, embora não tenha informados seus valores. A dificuldade estaria em atualizar todos os valores, tendo em vista os sete aditivos divididos em dois contratos. Segundo fontes extra-oficiais, esses valores estariam hoje estimados em R$ 218 milhões. A assessoria de Henrique Meirelles informou que Garcêz foi "uma de muitas pessoas apontadas pelo PSDB de Goiás para atuar em sua campanha". A mulher de Íris Rezende, deputada Íris de Araújo (PMDB-GO), integrante da CPI do Cachoeira em Brasília, não quis se manifestar. Por meio de sua assessoria, Maguito Vilela disse que a loteria estadual dava prejuízo e sua terceirização passou a render ao Estado R$ 2 milhões mensais. Já a Delta afirmou que desconhece essas acusações. Diz que elas não foram formalizadas pela Justica e que a empresa se pronunciará no foro judicial.