Título: Reforma política prevê anistia para punidos por crime eleitoral
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Política, p. A8

Definida como prioritária e com contornos levemente desenhados no programa para um segundo mandato divulgado há uma semana, a reforma política divide o governo Lula quanto à forma como deve ser feita. Seja pelo Congresso a ser eleito em outubro, seja por uma constituinte exclusiva, como prefere o próprio presidente da República, os caminhos em discussão no Planalto levam a um mesmo desfecho: a anistia de quem foi punido pelas regras atuais, como por exemplo a prática de caixa 2 em campanha eleitoral.

A anistia seria específica para quem recebeu punição política. Nessa categoria, estariam enquadrados o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado Roberto Jefferson, acusado e acusador no caso do mensalão. Mas ficariam de fora parlamentares que tiverem o mandato cassado por envolvimento no esquema das sanguessugas - a compra de ambulâncias a preços superfaturados com o pagamento de propina a mais de três dezenas de congressistas.

Como fazer a reforma, no entanto, divide o governo e seus aliados. Em conversa recente com um parlamentar aliado, Lula voltou a defender a idéia de uma constituinte específica para a reforma política, a ser instalada seis meses após a posse do Congresso a ser eleito em outubro próximo, mas com um prazo limitado - algo como seis meses - para votar e concluir o projeto. O aliado do presidente tentou contra-argumentar e chamou a atenção do presidente para as críticas feitas à proposta, mas Lula manteve-se firme na defesa de seus argumentos.

Lula sustentou que Congresso nenhum tem condições para mudar as regras pelas quais foi eleito. O parlamentar raciocinaria da seguinte maneira: "Como é que eu vou mudar as regras se eu fui eleito com essas regras aqui? Se eu mudar, quem é que garante que eu vou voltar"? E arrematou, enfático: "Eu acho que esse Congresso não muda nada. Eu estou aqui dentro, vou mudar a regra para me prejudicar?"

A avaliação dos congressistas que discutiram a reforma com o presidente é que Lula ainda não aprofundou a idéia. Ou não diz o que vai por sua cabeça. Por exemplo: como seria eleita essa constituinte específica para a reforma política, que durante pelo menos seis meses funcionaria paralelamente ao Congresso eleito em outubro? A rigor, as regras para a eleição de uma e da outra assembléia seriam as mesmas. Como seria convocado o Congresso revisor? A Carta de 1988 previu apenas uma revisão constitucional, realizada em 1993.

No PT, uma outra proposta ganha corpo: o Congresso a ser eleito em outubro faz a reforma, muda o sistema político, eleitoral e partidário e, ao final do processo, anistia as pessoas e se auto-dissolve, convocando eleições já sob as novas regras: financiamento público de campanha, fidelidade partidária, voto distrital misto, voto aberto em todas as votações no Senado, Câmara e Assembléias Legislativas. Haveria assim um novo sistema, e quem foi punido pelo sistema político anterior poderia ser então "reabilitado", ou seja, anistiado.

Segundo análises feitas no PT, esse seria um caminho bem mais fácil do que tentar recolher 1,2 milhão de assinaturas para um projeto de emenda popular anistiando José Dirceu, uma proposta que entusiasma aliados do ex-ministro da Casa Civil. Dirceu foi cassado no Congresso por "quebra do decoro parlamentar". Ele já se livrou dos casos Santo André e da CPI dos Bingos, mas ainda precisa enfrentar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual foi denunciado pela Procuradoria Geral da República não por um crime eleitoral, mas como um dos arquitetos do mensalão.

No programa de governo divulgado semana passada, Lula diz que a reforma política será "definida por meio de um amplo diálogo entre o Congresso Nacional, os partidos e a sociedade brasileira". O documento fala em assegurar a "pluralidade dos partidos, a fidelidade partidária, o financiamento público de campanhas eleitorais e o voto proporcional, preferencialmente por lista pré-ordenada, além de incentivar a construção de maiorias necessárias à governabilidade". Mas fala também na "revisão dos procedimentos de elaboração e fiscalização orçamentária, dentre outras medidas destinadas a fortalecer a representação popular e dar plena legitimidade aos poderes da República".