Título: Para Alckmin, prioridade seria relação com países ricos
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Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Especial, p. A12

O Brasil daria maior prioridade na política externa aos países desenvolvidos, reabriria a delicada discussão sobre medidas de salvaguardas no comércio com a Argentina e poderia até fechar algumas das embaixadas abertas recentemente em países africanos, caso o candidato da coligação PSDB-PFL ganhe as eleições presidenciais. Segundo colocado nas pesquisas de opinião, Geraldo Alckmin acusa a política externa atual de ter uma "visão equivocada de mundo", e de ser "ideológica e partidária na sua execução, além de politizada nas negociações comerciais".

Se eleito, diz Alckmin, o governo restabeleceria os "valores tradicionais" defendidos pelo Itamaraty. A maior mudança, aparentemente, será a volta da ênfase no aspecto comercial das negociações internacionais, e redução do interesse nas questões políticas, como a campanha por um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na prática, embora anuncie mudança radical nas negociações comerciais com Estados Unidos e Europa, Alckmin reconhece que está fora de questão tentar um acordo de livre comércio com o governo americano, e não fala em novidades nas discussões com a União Européia.

"Washington não está mais interessado em levar adiante essas negociações por conta das tendências protecionistas do Congresso", disse Alckmin, por e-mail, ao Valor. Os parlamentares rejeitariam um acordo com o Brasil "devido à alta competitividade de nosso setor agrícola", avalia o candidato, que defende retomar conversas de cooperação com os EUA para "acordos bilaterais setoriais".

Assim como o atual governo, ele diz ter pressa para negociar um acordo de livre-comércio com a União Européia, mas afirma que só fará maiores ofertas de abertura do mercado de produtos industriais se considerar adequadas as concessões oferecidas pelos europeus à agro-indústria brasileira.

Ele diz que quer ampliar o relacionamento com países de escala continental, como China, Índia e Rússia, com base "em reciprocidade de interesses, e não com a ilusão ideológica de que são 'aliados naturais' em um eventual conflito de interesses com os Estados Unidos".

Alckmin promete continuar a exploração dos mercados não-tradicionais, o chamado comércio Sul-Sul, mas ressalva que essa iniciativa será apenas "complementar" ao esforço de aproximação dos mercados maiores e mais dinâmicos, como o americano e o europeu. "Menos politização e mais resultados", diz ele.

Nas negociações comerciais multilaterais, a chamada Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC), Alckmin diz que o governo errou ao basear nessas discussões a estratégia de negociação comercial. Mas informa que deverá manter, na OMC, a linha atual, de pressão por uma Agenda de Desenvolvimento e redução das tarifas e subsídios que distorcem o comércio agrícola. "É melhor não ter um acordo multilateral que ter um mau acordo", diz, acenando com um endurecimento na posição brasileira.

No Mercosul, uma das prioridades da atual política externa, o candidato do PSDB e do PFL promete grandes mudanças. "Logo no início do meu governo, vamos promover uma ampla reflexão sobre o Mercosul", anunciou ele ao Valor, lamentando o "imobilismo institucional" do bloco e a dificuldade dos países-membros em aprofundar a integração. "Se for o caso, faremos o reexame de seu funcionamento, com vistas a melhor defender o interesse nacional".

O que Geraldo Alckmin, se eleito, fará no Mercosul vai depender de "amplo debate com o setor privado, os sindicatos e a sociedade civil", e de discussões com os parceiros no bloco, explica o candidato.

Mas o governo vai levar em conta "apenas o interesse nacional", complementa ele. Essa ênfase no "interesse nacional" fará com que um eventual governo Alckmin rejeite o que chama de "influências de condicionantes politizadas" e peça a revisão, por exemplo, do acordo firmado neste ano, que criou salvaguardas de comércio entre Brasil e Argentina.

O acordo, chamado de Mecanismo de Adaptação Competitiva, permite criação de barreiras ao comércio quando os produtos de um país ameacem invadir o mercado do outro, prejudicando os concorrentes locais.

O candidato tucano o considera "contrário à letra e ao espírito do tratado que criou o Mercosul". A proposta significa reabrir uma delicada discussão política, que ameaçou azedar as relações entre os dois maiores sócios do Mercosul.

Logo no início do governo, Alckmin pretende propor o "aprofundamento" dos acordos bilaterais de comércio com os países da América do Sul e novas formas de cooperação comercial com os Estados Unidos. Ele garante que o apoio explícito conferido pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, à candidatura Lula não será obstáculo para o relacionamento bilateral, caso a oposição ganhe as eleições no Brasil.

"Vamos ampliar o relacionamento com todos os países da América do Sul, com base na reciprocidade de interesses e na defesa de nosso interesse", insiste o candidato. Alckmin critica a "submissão inaceitável" do governo Lula durante a nacionalização e diz não aceitar quebra de contratos e uso das Forças Armadas para ocupação de refinarias da Petrobras.

"Se nossos interesses forem afetados, haverá uma reação firme de meu governo para assegurar nossos direitos, sem violência nem reação desproporcional", disse o candidato tucano.

Ele acredita também que só razões "políticas" justificam a abertura de representações diplomáticas como as que o governo realizou na África e na Ásia. Alckmin condena as iniciativas que, segundo acusa, ocorreram "sem reciprocidade e com grande dificuldade para envio de funcionários diplomáticos".

Um governo Alckmin deverá reexaminar as prioridades do Brasil naquelas regiões e avaliar quais embaixadas não fazem sentido do ponto de vista econômico, comercial "e mesmo político". "O governo Lula será o responsável pelo custo desnecessário com a abertura das embaixadas e pelas despesas com seu fechamento, se for o caso", ameaça o tucano.

Alckmin anuncia que encerraria a campanha internacional por um assento permanente ao Brasil no Conselho de segurança das Nações Unidas - tema político hoje alvo de grande atenção dos dirigentes do Itamaraty. "O Brasil chegará onde ambiciona pelo reforço de sua massa crítica e consolidação de sua credibilidade", diz ele, que afirma considerar "legítimo e razoável" a aspiração brasileira por um assento permanente no Conselho. Ele considera prematura a campanha, porém, porque o assunto ainda é motivo de grande debate nas Nações Unidas. "Interessa mais ao Brasil se aproximar com passos medidos e seguros da OCDE ou ser acolhido num G-8, que poderia incluir Índia e China", defendeu. (SL)