Título: O mundo tem pressa
Autor: Faleiros, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Caderno Especial, p. F1

O conceito de sustentabilidade espalha-se cada vez mais no meio corporativo. Os números provam investimento e empenho das empresas nas questões ambientais e sociais. Porém, mesmo com a crescente aceitação, o desenvolvimento sustentável passa por um momento crucial.

Por um lado, o desafio é trazer para o movimento um crescente batalhão de empresas que ainda não absorveu a sustentabilidade em seu dia-dia. Por outro, para tornar realmente efetivas as medidas socioambientais, serão necessárias mudanças mais profundas no setor privado e na sociedade. Essas são visões de acadêmicos e empresários que acompanham a questão desde seu nascimento, há cerca de 20 anos. O tema está sendo discutido hoje, em São Paulo, por empresários e especialistas no Seminário "Sustentabilidade nas Empresas", promovido pelo Valor.

Um recente levantamento da consultoria KPMG revela que as práticas sustentáveis ganham rapidamente espaço entre as empresas. Isso foi particularmente notável nos últimos três anos. Em 2002, 45% das 250 empresas mais ricas do mundo publicavam relatórios de responsabilidade corporativa. Já em 2005, esse percentual havia subido para 52%. A tendência é mais forte nos países desenvolvidos, observam os autores do estudo. Japão e Reino Unido têm 80% e 71%, respectivamente, de suas maiores companhias prestando contas sobre seus compromissos com as questões socioambientais.

Embora, o relatório da KPMG não tenha dados quantitativos sobre o desempenho de empresas brasileiras, há uma avaliação qualitativa de que o país está entre os líderes em responsabilidade corporativa na América Latina. Um indicador nesse sentido foi a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada em abril mostrando que, entre as empresas do setor, 76% já contam com sistemas de gestão ambiental. Além disso, 35% das indústrias destinaram de 3% a 11% de seus investimentos à proteção do meio ambiente em 2005.

Na visão do chefe do Departamento de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Bandeira de Mello, "o quadro animador" de investimentos deve-se à percepção de que eficiência no uso de insumos e energia tornou-se fator de competição nas empresas. "Meio ambiente cada vez mais deixa de ser responsabilidade e se torna oportunidade", pondera. O banco criou há dois anos a linha de meio ambiente, que oferece condições especiais a projetos cujos benefícios ambientais sejam importantes. O custo desse crédito é de TJLP mais 1%, enquanto nos financiamentos tradicionais, é de TJLP mais até 3,5% ao ano. E a participação do banco nesses investimentos é maior. Neste caso, o capital pode suprir até 90% do aporte; em outras linhas chega-se no máximo a 60%.

A inserção da questão ambiental no banco de fomento brasileiro reflete uma tendência mundial de crescimento da sustentabilidade no setor financeiro. De acordo com a pesquisa da KPMG, o setor financeiro foi o que mais apresentou crescimento na publicação de relatórios de responsabilidade corporativa nos últimos anos. Em 2002 apenas 12% do setor financeiro reportavam práticas socioambientais, já em em 2005, a proporção atingiu 31% dos bancos e companhias de seguro.

Isso se deve à grande exposição que o setor possui no mercado de ações, explica o gerente internacional de serviços sustentáveis da KPMG, Gunnar Walzholz. "Houve uma tomada de consciência sobre os riscos de se financiar empreendimentos que sejam ambientalmente ou socialmente negativos", diz. Ele lembra que os Princípios do Equador, um conjunto de regras de sustentabilidade desenhadas para o setor financeiro, estão por trás deste cuidado que os bancos passaram a tomar. Mas há também uma forte pressão da sociedade civil, principalmente na Europa, onde freqüentemente organizações divulgam listas negras sobre as instituições financeiras que ainda relutam em adotar o conceito do desenvolvimento sustentável.

Outro fator importante, argumenta Walzholz, foi o despertar do senso de oportunidade no setor financeiro no que se refere a produtos voltados para projetos socioambientais. "Isso é particularmente visível quando falamos de mudanças climáticas", resume. De fato, o mercado criado em torno do Tratado de Kyoto, que visa a redução das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, ilustra o quão bem difundido está o conceito de sustentabilidade. Desde 1998, quando as Nações Unidas aprovaram o protocolo, 276 projetos para a geração de créditos de carbono foram registrados. O Brasil é o segundo país em número de iniciativas com 22,4%, atrás apenas da Índia, que lidera com 31,5% dos projetos.

Entretanto, se o Tratado de Kyoto mostra um lado bem-sucedido do desenvolvimento sustentável, ele também pode ajudar a ocultar alguns problemas. Na opinião da professora de responsabilidade corporativa da Fundação Dom Cabral, Maria Raquel Grassi Marques, as empresas não devem olhar para a sustentabilidade apenas como uma oportunidade, mas sim como um objetivo próprio. Ela conta que a sustentabilidade tem diferentes fases dentro de uma companhia: muitas vezes o primeiro passo é adaptar um produto para torná-lo ecológico ou socialmente justo. Depois, a empresa passa a apoiar projetos da sociedade civil, muitas vezes assumindo uma faceta filantrópica. Contudo, a finalidade maior deve ser a gestão responsável, na qual as companhias fazem uma reflexão de seu próprio negócio e avaliam o quanto são sustentáveis. "As empresas têm de ouvir os representantes da sociedade afetados por seus negócios, não ficar isoladas, olhar a gestão de forma sistêmica", afirma Maria Raquel.

Para o presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebeds), Fernando Almeida, mais do que nunca este é o momento para revisar a estratégia de responsabilidade corporativa. "Já passamos da fase de que o importante era ser ecoeficiente, isso é obrigação de toda empresa. Agora, a dúvida é como unir a questão ambiental, social e econômica", alerta. Almeida se diz preocupado, pois passados 20 anos desde a ascensão do conceito do desenvolvimento sustentável, as tendências de degradação ambiental e esfacelamento social se tornaram mais acentuadas.

Um exemplo é fracasso que se anuncia em relação ao cumprimento das Metas do Milênio. Tratam-se de oito diretrizes acordadas por diversos países em 2000 para melhorar as condições sociais, econômicas e ambientais do planeta que deveriam ser atingidas em 2015.

Maria Raquel concorda que um dos desafios nas companhias é integrar ações sociais, econômicas e de meio ambiente na estratégia de responsabilidade corporativa. Segundo ela, muitas empresas usaram a questão ambiental como porta de entrada para a sustentabilidade por conta das normas e legislações que obrigaram a mudança. Agora, no entanto é preciso unir departamentos de ação social com os de meio ambiente, que na maioria das vezes agem separadamente dentro das empresas. É essa perspectiva que ajuda a repensar a estratégia de desenvolvimento de uma companhia. "É mudar ou mudar", conclui Maria Raquel.

No Brasil, os setores agrícola e de mineração devem ser ainda mais cobrados em função de sua inserção no mercado internacional, acrescenta Alexandre Heinermann, diretor da KPMG no Brasil. "Nestes setores, as relações entre meio ambiente e sociedade são bastante intensas, investidores vão observar como os riscos embutidos nestes negócios serão mitigados", analisa.

O estudo da KPMG mostra que, entre as maiores empresas mundiais, já não se fazem relatórios em que os temas ambiental, social e econômico são vistos de forma isolada. Em 2002, o tema de segurança e saúde ambiental dominava 73% dos relatórios de responsabilidade corporativa, hoje 68% destas publicações privilegiam a sustentabilidade como um todo. "No Brasil, a grande maioria ainda vê responsabilidade corporativa como a simples publicação de um balanço social", lamenta Heinermaan.

Por isso, o desafio é envolver mais empresas em uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Uma das opções constantemente citadas é o uso de cadeias sustentáveis de suprimento. As grandes companhias com poder de compra podem influenciar seus fornecedores a adotar padrões éticos e ambientais. "O setor privado, com seu dinamismo, é a chave para a mudança", aposta o presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Israel Klabin.

Maria Raquel, da Fundação Dom Cabral, afirma que embora o conceito de sustentabilidade esteja mais presente no cotidiano das grandes empresas, as pequenas e médias também têm enorme potencial. "Nelas, as mudanças ocorrem mais rápido, as decisões são mais ágeis", defende.

Klabin pondera que para além dos ganhos obtidos em cada empresa, o Brasil necessita adotar um pensamento estratégico sobre as atividade econômicas com maior afinidade ao desenvolvimento sustentável. O aproveitamento racional de recursos da biodiversidade nacional é um dos caminhos apontados por ele. Seriam necessários maiores investimentos no setor de fitoterápicos, além de um planejamento de longo-prazo para os biocombustíveis. "Não se trata de uma simples oportunidade econômica. É o caminho para a mudança." , garante.