Título: Projetos analisados sob Princípios do Equador são minoria
Autor: Wilner, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Especial, p. F3

O crédito "politicamente correto" está em alta. Cada vez mais os bancos dificultam ou negam empréstimos a quem prejudica o meio-ambiente ou trata mal os empregados - e premiam, com linhas mais camaradas, empresas que apresentam projetos considerados ecológicos. Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco, além de instituições como Real ABN Amro e HSBC, têm abraçado as causas típicas de organizações não-governamentais.

Não é à toa. Quem plantou a semente do crédito responsável foram as ONGs. Quando as ONGs se deram conta de que não adiantava patrulhar as grandes corporações sem olhar para quem financia os seus projetos, os bancos entraram na mira. As instituições financeiras decidiram tomar a dianteira e lançaram, em junho de 2003, os Princípios do Equador, com base nas políticas do International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial. Trata-se de um conjunto de critérios socioambientais que devem ser seguidos pelos bancos em operações de project finance, ou seja, aqueles que englobam projetos de envergadura, com maiores chances de causar impacto à comunidade e meio-ambiente a seu redor.

Hoje seguidos por 40 instituições ao redor do mundo - entre elas as maiores do Brasil (exceto BNDES, Caixa Econômica Federal e Santander Banespa), os Princípios do Equador aparentemente não são considerados um fardo pelos bancos. Ao contrário, o discurso dominante é que, além de contribuir para turbinar a imagem institucional, a adesão aos princípios faz o bem às finanças - ao minimizar riscos de obras serem paralisadas por problemas socioambientais após vultosos investimentos. "O banco precisa ter certeza de que projeto irá terminar", diz Luiz Antônio França, diretor de finanças corporativas do Itaú. "A avaliação socioambiental está diretamente ligada ao negócio."

Em julho, os Princípios do Equador foram revistos e lançada uma segunda versão, com critérios mais rigorosos. Projetos a partir de US$ 10 milhões passam a ter de seguir análise de risco socioambiental - antes o valor mínimo era de US$ 50 milhões. Há necessidade de prestar contas anualmente à sociedade (embora num nível de transparência aquém do reivindicado pelas ONGs), o processo de consulta pública para projetos de alto risco ficou mais rigoroso e passaram a ser consideradas dentro dos princípios as atividades de consultoria financeira de projetos, e não só aquelas diretamente relacionadas ao empréstimo.

Até agora, o Unibanco analisou 20 projetos dentro dos princípios, no valor conjunto de R$ 6 bilhões. Nos projetos de alto risco, que correspondem de 10% a 15% do total, sempre há necessidade de modificações "Geralmente a mudança está ligada ao reassentamento de pessoas impactadas pelo projeto", diz Cai Igel, diretor da área de compliance do Unibanco. No Real ABN Amro, 12 projetos no Brasil foram enquadrados nos Princípios do Equador e outros três em demais países na América Latina. Dois foram negados, um por razões puramente ambientais e outro devido à resistência da comunidade: tratava-se de uma hidrelétrica que iria inundar parte da região. O valor dos projetos aprovados somou US$ 2,85 bilhões.

No Bradesco, foram aprovados seis projetos, no valor de R$ 1,5 bilhão. No Itaú BBA, braço do Itaú que cuida de grandes projetos, foram 10 projetos analisados, somando R$ 5 bilhões.

Parece muito dinheiro, mas, na realidade, os projetos analisados dentro dos Princípios do Equador representam uma ínfima parte do que os bancos financiam. No Itaú BBA, por exemplo, correspondem a 2,4% da carteira. "Isso é um começo", explica Maria Estela Ferraz e Campos Barbosa, responsável pela área de projetos do Itaú BBA. Os bancos iniciaram por uma área em que os estragos potenciais são enormes e os custos de controle mais baixos. Mas não deveriam parar por aí, defendem as ONGS. "Achamos que isso é o mínimo", diz Victorio Mattarozzi, da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasileira. "A avaliação deveria ser feita não em função do projeto, mas da atividade que estão financiando", completa.

Para as ONGs, o que os bancos têm feito, seja em relação aos Princípios do Equador seja em relação às demais ações, ainda é pouco em relação às melhores práticas mundiais. A BankTrack, rede de 16 ONgs, entre elas a Amigos da Terra, elaborou um ranking de políticas ambientais e sociais dos bancos. Nenhuma instituição chegou perto de conseguir as notas máximas (veja tabela). As notas podiam ir de 0 a 4. O ABN e o HSBC, com as melhores pontuações, conseguiram 1,31. Bradesco, Itaú e Unibanco, 0,46.

A maioria dos bancos tem utilizado a experiência dos Princípios do Equador para expandir os critérios de análise socioambiental para o restante da carteira. "Incluímos a questão ambiental na análise de crédito de todos os clientes", afirma Barbosa, do Itaú BBA. Em todo o grupo Itaú, o valor mínimo para a análise dos riscos socioambientais é de R$ 5 milhões, critério mais rigoroso do que o dos Princípios do Equador. Já foram analisados 72 projetos de menor porte num montante conjunto de R$ 157 milhões.

Bancos internacionais, como o Real ABN Amro e o HSBC, estão à frente na experiência do crédito responsável. O ABN, um dos criadores dos Princípios do Equador, faz análise de risco socioambiental desde 2002. Hoje o departamento responsável pela avaliação destina de 10% a 20% dos esforços a casos que se encaixam dentro dos Princípios, diz Christopher Wells, superintendente da área de risco socioambiental. A maior parte do tempo é destinada à análise de risco socioambiental de finanças corporativas e empresas pequenas. O banco envia questionário com perguntas relativas ao meio-ambiente e à responsabilidade social para 3700 empresas. "Desde 2002, cortei 47 novos clientes", diz Wells. "Por nossa postura, ganhamos um número muito maior de clientes do que esse".

Alguns bancos, no entanto, não acreditam que dê para ir muito além do previsto nos Princípios do Equador. "Se não for project finance, fica difícil aplicar a análise", diz Igel, do Unibanco. "Precisaríamos de um contingente enorme de pessoas para fazer avaliação de todos os projetos das empresas, o que inviabilizaria o negócio". Outros, como o Santander Banespa, BNDES e Caixa Econômica Federal, têm as suas próprias políticas de avaliação de risco socioambiental, mas ainda não aderiram aos Princípios do Equador. A CEF pretende fazê-lo em breve. "A Caixa está em estudos finais para a adesão", afirma Jorge Fontes Hereda, vice-presidente de desenvolvimento urbano e governo da instituição.