Título: São Paulo quer medidores em condomínio
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Caderno Especial, p. F5

O consumo racional de água no setor de construção civil, uma atividade que responde por 15% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, é um tema cada vez mais recorrente entre empresas, concessionárias de água e esgoto e os governos. De um lado, construtoras começam a discutir a implementação de medidores individuais em prédios residenciais e comerciais. E de outro, adotam o desenvolvimento sustentável como bandeira, usando mais racionalmente a água nas construções.

Em um condomínio residencial, a água representa de 10% a 15% dos gastos dos moradores, perdendo nos gastos gerais apenas para a despesa com funcionários. Em vinte mil prédios residenciais na cidade de São Paulo, são consumidos cerca de 600 milhões de litros diários de água. Com pequenas mudanças de comportamento dos moradores, seria possível reduzir em 10% o consumo e criar uma economia superior a R$ 10 milhões mensais apenas nesse universo de prédios paulistanos. Calcula-se que existam mais de 50 mil prédios com mais de 12 andares apenas na cidade de São Paulo.

Um dos principais passos para o início da discussão pública do assunto foi a aprovação, em junho do ano passado, da lei 14.018, que instituiu o programa de uso racional da água em edificações na cidade de São Paulo. Com a regulamentação, o governo estadual, Sabesp, prefeitura e empresários da construção civil têm-se reunido regularmente para colocar adiante projetos que possam economizar o uso de água.

Um dos principais pontos em discussão são os sistemas de medição individualizada em condomínios. Na França, por exemplo, a iniciativa permitiu uma economia de 30% no uso de água em prédios. "Esse é um assunto polêmico e que no Brasil está ainda engatinhando, por isso as discussões são longas. E a experiência de São Paulo, se bem-sucedida, deverá se estender aos demais Estados do país", afirma o vice-presidente de desenvolvimento sustentável do Sindicato da Construção de São Paulo (Sinduscon-SP), Francisco Vasconcellos.

Há muitas questões em aberto, como, por exemplo, o prazo que os condomínios já existentes terão para se adaptar à regra. "Mesmo não sendo obrigatório ainda, as construtoras já começam a adotar esses pressupostos em suas novas obras", afirma Francisco Vasconcellos.

No momento, um grupo de trabalho com representantes da secretaria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, prefeitura paulistana e Sabesp discute outros pontos em aberto: como será feita a medição, onde será colocado o relógio de medição individualizada nos condomínios, que software poderá ser usado e quem assumirá esses custos de implementação dos sistemas. Duas propostas iniciais previam que o usuário assumiria o custo. Outra vertente apontava que a Sabesp poderia assumi-lo, mas ainda não existe nenhuma definição sobre o assunto.

O debate também vem sendo conduzido pelo chefe do gabinete da prefeitura de São Paulo, Aloísio Nunes. A discussão, que pode representar perda de faturamento em um primeiro momento para as concessionárias de água e esgoto, ocorre em um momento em que o setor de saneamento discute a nova regulação e o papel que as empresas estaduais, privadas e municipais terão no segmento. Nesse ambiente, cautela é a palavra de ordem no setor de água e esgoto.

"A discussão é bastante complexa", afirma um empresário do segmento.

-------------------------------------------------------------------------------- O consumo de água representa de 10% a 15% dos gastos dos moradores nos condomínios residenciais --------------------------------------------------------------------------------

"A questão não é nova", afirma o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Ioshimoto. Desde 1976, a Sabesp e o governo paulista realizam estudos para medição individualizada.

Em 1984, a LAO Indústria começou a fabricar equipamentos de medição individualizada. De lá até esse momento, a empresa já instalou o equipamento em 197 prédios no Brasil, a maioria em São Paulo. Conseguiu-se uma redução de até 30% em relação à medição coletiva. "Agora, começa a andar mais rápido a discussão", afirma o executivo, Marcos Sartori.

Existem questões jurídicas também. A Lei 8987/95 considera legítimo o corte no fornecimento de serviços essenciais, como os de água e luz, em caso de inadimplência. "Mas existem divergências de interpretação entre essa lei e o Código de Defesa do Consumidor, que aponta que serviços essenciais devem ser contínuos", afirma o advogado José Carlos Baptista Puoli, do Duarte & Garcia Caselli Guimarães e Terra Advogados.

Para que a discussão possa avançar ainda mais, seria necessário conscientizar a população da importância do consumo racional de água.

Detentor de 15% da água do planeta, o Brasil é um dos campeões em desperdício - enquanto a média de consumo recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de 120 litros diários por pessoa, no Brasil, a média está em 200 litros por dia.

Colocar o tema na ordem do dia e fazer com que a população economize água são desafios por enquanto enormes, dados os hábitos já arraigados na população, como lavar quintais, calçadas e o automóvel em casa. O clima tropical colabora com essas práticas e com a tendência ao desperdício.

Na cidade de Curitiba, o engenheiro Wilson Passeto, que atua na área de relações institucionais da Tigre, mora em um condomínio que com medição individualizada. Quem paga altas contas pelo consumo maior está buscando perfurar poços profundos, para contornar a alta do serviço. "Por isso é fundamental a conscientização da população", afirma o executivo da Tigre.

Há o outro lado da questão: o uso racional da água nas construções. Um dos grandes obstáculos é o chamado mercado formiguinha da construção civil. Mais de metade das compras nas lojas de material de construção são feitas por interessados em fazer pequenas reformas ou ampliações de suas residências ou lojas. Muitas obras são tocadas por pequenos empreiteiros ou trabalhadores autônomos que não têm registro formal e que são responsáveis por mais da metade dos resíduos sólidos do setor de construção civil.

O "consumidor formiga" responde também por um quinto do consumo de cimento nacional, segundo estudo da Galanto Consultoria, do Rio.

A grande informalidade é um obstáculo para a ampliação do uso racional de energia elétrica e de água no setor de construção civil. Algumas dessas obras de auto-construção são feitas com ligações clandestinas de energia elétrica e de água, informam especialistas.