Título: Ecodesign já pauta produção na fábrica
Autor: Boechat, Yan
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Caderno Especial, p. F7

Todos os meses, funcionários da Sony no Brasil percorrem as assistências técnicas da empresa nas grandes cidades do país em busca de televisores velhos, que não puderam ser consertados e que terão como destino o lixo. Recolhem as tralhas, levam para os laboratórios da companhia e tentam descobrir a melhor maneira de desmontá-las, o que pode ser reaproveitado e qual seria o custo dessa operação em larga escala. Eles estão, na verdade, tentando encontrar uma maneira eficiente de replicar no Brasil uma experiência que vem dando certo no Japão, o país sede da Sony. Querem implantar aqui uma forma de reciclar televisores velhos e se adequar ao que tem sido chamado por lá de green management, ou, em bom português, gerenciamento verde.

Só no último ano, a Sony recolheu cerca de 650 mil televisores velhos no Japão. Deles foram extraídas 1,3 mil toneladas de ferro, 700 toneladas de cobre e outras oito mil toneladas de vidro. Tudo voltou para os novíssimos e modernos televisores que estão saindo das fábricas japonesas. "Agora a empresa está estudando formas de fabricar aparelhos que sejam mais fáceis de ser desmontados quando sua vida útil acabar", diz Marcus Trugilho, gerente de comunicação e propaganda da multinacional no Brasil.

Por aqui a realidade ainda é muito diferente. O projeto de reciclagem de televisores não passa mesmo de um projeto. "Infelizmente, ainda não temos um prazo para implantá-lo, mas já estamos estudando uma forma de viabilizá-lo", diz Trugilho.

O que a Sony está fazendo no Japão e tentando copiar aqui, assim como várias outras empresas, é encontrar uma forma de preservar o meio ambiente por meio de seus produtos. Ou desenvolver o conceito do ecodesign, como dizem os engenheiros que passam os dias quebrando a cabeça para achar um jeito de fazer com que TVs, lâmpadas, sandálias ou uma máquinas de lavar tenham menos impacto ao meio ambiente. O verbete, que até já virou nome de concurso promovido pela Fiesp, é um novo passo no compromisso de as empresas se tornarem sustentáveis ambientalmente. Agora que boa parte delas adequou seus despejos de poluentes nos rios, tenta reduzir a emissão de gases e gerencia seus dejetos sólidos, muitas perceberam que podem reforçar sua imagem de empresa responsável pela maneira como produzem seus bens de consumo.

É uma tendência que vem ganhando a atenção de grandes companhias. "O ecodesign se caracteriza por uma responsabilidade contínua, desde a extração da matéria-prima, passando pela manufatura, até o transporte do que foi produzido", explica Fábio Souza, coordenador no Núcleo de Design Sustentável do Centro Paulista de Design, uma entidade mantida pelo IPT, pela Fiesp/Ciesp e pelo Sebrae. "É um sistema cíclico, sempre sendo reutilizado", diz ele.

Nesse processo, a reciclagem, como a realizada em larga escala pela Sony no Japão, é apenas um dos itens. Empresas como a holandesa Philips, por exemplo, têm se esforçado para ampliar o leque de componentes que se enquadrem no conceito de ecodesign. A companhia chegou a criar um programa específico para isso, conhecido como green flagship, ou, bandeira verde. Para um produto ganhar esse selo na Philips ele precisa se enquadrar em uma série de itens, que variam desde o seu peso, o número de componentes recicláveis até sua embalagem. "A idéia toda passa por um produto com maior valor agregado, que respeita o meio ambiente, e ainda assim é economicamente viável", diz Márcio Quintino, gerente de qualidade e meio ambiente para a América Latina.

A família de produtos com a bandeira verde é a que mais cresce na Philips. Já são mais de 160, que geraram um faturamento de US$ 2,4 bilhões à empresa em 2005. Eles vão de telefones celulares fabricados com produtos não tóxicos, passando por aparelhos que gastam menos energia até lâmpadas com consumo 25% menor e durabilidade 60% maior. "Nos próximos meses, provavelmente, teremos o primeiro produto desenvolvido no Brasil a receber o selo green flagship. Será um reconhecimento da matriz pelo esforço de nossos engenheiros", diz ele, referindo-se à linha de lâmpadas Eco Master, mais econômicas, mais potentes e com vida útil maior.

Mas não são apenas empresas de eletroeletrônicos que estão apostando no ecodesign. A brasileira Grendene, por exemplo, vem se destacando no Brasil por seu trabalho de desenvolvimento de produtos mais sustentáveis. Um dos carros-chefes da empresa, a sandália Melissa, já é desenvolvida dessa forma. Cada par de Melissa que sai das fábricas utiliza um tipo de PVC único. Com isso, a reciclagem e o reuso do calçado fica muito mais simples. Além disso, a Grendene recicla 100% das sobras internas de sua produção. No ano passado, por exemplo, a companhia reutilizou mais de cinco mil toneladas de PVC e outros 300 mil litros de acetonas, que, normalmente, seriam descartados. "Queremos criar produtos que sejam sustentáveis com sucesso econômico", diz Edson Matsuo, gerente de pesquisas e desenvolvimento da Grendene. "De nada adianta criar algo que seja 100% responsável sob o ponto de vista ambiental e que não venda", diz ele.

Esse é o grande desafio dos ecodesigners. Conseguir fazer com que os custos de pesquisa ou manufatura não tornem o produto economicamente inviável. "Essa é uma questão fundamental", diz Fábio Souza, do Centro São Paulo de Design. "De que adianta termos algo que foi feito apenas com material reciclado se o preço dele só permite que uma parcela ínfima da população possa comprá-lo?", questiona. Para Fábio, em um país como o Brasil, onde existe um grau de consumo reprimido elevado, mais do que pensar em produtos altamente responsáveis ambientalmente, o mais importante é desenvolver formas para que eles sejam acessíveis à toda população.

Essa também é a opinião de Quintino, da Philips. "O termo sustentável não se aplica apenas à questão ambiental", diz ele. "Os produtos precisam ser sustentáveis sob o ponto de vista econômico também, porque as empresas sobrevivem de lucro". Por mais interessados que estejam no verde, no final, os acionistas querem mesmo é ver o balanço todinho no azul.