Título: Iniciativa das pequenas ainda depende das grandes
Autor: Maturo, Jussara
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Caderno Especial, p. F8

Devagar, as iniciativas de desenvolvimento sustentável começam a fazer parte do dia-a-dia das pequenas empresas, especialmente as do setor industrial para as quais os ganhos em competitividade com ações dessa natureza tendem a ser bem mais visíveis. Os resultados positivos obtidos em projetos experimentais ou localizados levaram a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) a propor a organização de um programa nacional de produção mais limpa, tendo o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai ) como via principal de execução.

"Hoje, o Senai é a instituição mais bem aparelhada, por ter pontos de presença em todo o Brasil, para ser a espinha dorsal de um programa desse porte. É isso que propomos a nossos parceiros", explica Maurício Mendonça, gerente executivo de competitividade industrial da CNI. O programa integraria as ações previstas para alcançar os objetivos para o desenvolvimento sustentável traçados pelo Mapa Estratégico da Indústria no período de 2007 a 2015.

Da mesma forma, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa) planejam ampliar a rede de ecoeficiência para produção mais limpa, que começou a ser montada em 1999.

Até 2004, em duas etapas, os parceiros investiram R$ 5,8 milhões na criação de núcleos regionais em 17 Estados e no treinamento de 294 consultores. Em contrapartida, as 8.620 empresas que participaram da rede nesse período aplicaram outros R$ 6,3 milhões em melhoria das instalações e logística de operações.

A economia de gastos entre todas as empresas no período alcançou R$ 233,6 milhões com a redução de 6,2 milhões de quilogramas de matéria-prima; economia de 461 mil metros cúbicos de água, de 3,1 milhões de quilowatts e de 1,6 milhão de metros cúbicos de gás. (ver tabela)

"As grandes empresas já estão bem aparelhadas para essa nova era de desenvolvimento sustentável. As pequenas empresas lutam com muita dificuldade no país. Não têm uma pessoa, um homem/hora para cuidar do assunto. Mas quando elas têm acesso e enxergam o ganho de competitividade que isso dá, elas nunca mais abandonam", observa Fernando Almeida, presidente executivo do CEBDS.

Na maior parte das vezes, as iniciativas de desenvolvimento sustentável entre as pequenas empresas têm origem em razões externas. As relações comerciais com grandes empresas, que contam com programas de desenvolvimento sustentável amadurecidos, representam um bom impulso. Muitas companhias maiores adotam estratégias que envolvem fornecedores. De forma que para participar da cadeia, ou por exigência de negócio ou como estímulo, a pequena empresa é levada a tratar da questão.

Os APLs (Arranjos Produtivos Locais) também funcionam como rota de passagem, na medida em que a sustentabilidade acaba por permear a estratégia desses aglomerados empresariais. "Contudo, há uma série de iniciativas das próprias empresas menores que decidem investir em desenvolvimento sustentável em busca de inovação, diferenciação e melhores resultados", afirma Marcelo Dini Oliveira, gerente de inovação e acesso à tecnologia do Sebrae/SP.

De acordo com Mendonça, a empresa participa do processo de desenvolvimento sustentável no momento em que se torna menos poluidora, adota práticas de gestão adequadas; e pratica dentro de casa alguns dos preceitos previstos. Para isso, depende de tecnologia disponível e recursos financeiros. Duas condições difíceis de encontrar entre as pequenas empresas. Para Almeida, o primeiro passo tem um forte viés cultural e depende basicamente de mudança de atitude, mais que de dinheiro. Apenas eliminando, por exemplo, desperdícios.

Ele cita o caso de uma montadora de tratores de médio porte que enfrentava uma situação de conflito com órgãos de controle ambiental, com a população que morava próxima à fábrica e com os meios de comunicação por causa do excesso de cheiro de tinta exalado pela unidade durante a etapa de pintura das peças. Segundo Almeida, a empresa resolveu o problema ao regular o jato disparado pela pistola industrial usada no processo e alterou a viscosidade da tinta. "Eles verificaram que desperdiçavam com tinta o equivalente a cinco tratores por ano", destaca o presidente do CEBDS.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acredita que um bom estímulo passa pela simplificação dos processos burocráticos que oneram as pequenas empresas. Considera o Silis (Sistema de Licenciamento Simplificado) um avanço para regularizar a situação de muitas indústrias com baixo potencial poluidor. "Agora, estamos negociando com a Cetesb melhores condições para renovação da licença ambiental. Hoje, as empresas, não importa o tamanho, precisam colocar anúncio em três jornais como parte do processo de renovação", explica Milton Antonio Bogus, diretor titular do Departamento da Micro e Pequena Indústria da Fiesp.

No Arranjo Produtivo Local de Jaú, interior paulista, que abrange a indústria de calçados, as medidas também ganharam aspectos bastante práticos, principalmente em relação à questão ambiental. No final de 2004, foi criado um grupo de política ambiental para discutir a destinação dos resíduos de couro, que passou a ser de responsabilidade das empresas, e não mais dos órgãos públicos. O couro da região está enquadrado na classe II por ser curtido em cromo e requer esquema especial de descarte.

Por meio do sindicato local e mediante acordo com a Cetesb, ficou acertado que o resíduo do APL de Jaú seria encaminhado para o aterro Estre, em Paulínia (SP), certificado em ISO 14000 e preparado para tratar resíduos da classe II. "O ideal seria não gerar resíduo. Mas esse é o primeiro passo para o caminho da produção limpa", explica Roberto Augusto dos Santos, gestor do APL. Por esse acordo - o primeiro do gênero no Estado de São Paulo, a Cetesb aceitou emitir um "Cadri" coletivo (certificado que atesta que as empresas podem exportar os resíduos de produção). O Cadri saiu em nome do sindicato local, que contratou uma transportadora. Sozinha, a empresa gastaria em torno de R$ 1 mil só para obter o certificado. Com esse convênio, o associado paga R$ 227,00 por tonelada de resíduo transportada (outro impacto direto foi aumentar o número de associados no sindicato). "Unidos pelo lixo", como costuma brincar o gestor.

Para financiar a segunda etapa da questão ambiental, em julho, o APL obteve financiamento de R$ 400 mil, junto ao Sebrae e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O objetivo é financiar uma pesquisa, encomendada à Universidade Federal de São Carlos, para investigar alternativas tecnológicas para o couro e para o poliuretano (material usado como solado dos calçados, que não tem destino passível de reciclagem).