Título: Política monetária sob muitas batutas
Autor: Pinto , Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2012, Finanças, p. C16

A condução da política monetária ganhou, claramente, novos componentes, que demarcam um terreno ainda desconhecido pelo mercado financeiro. O primeiro aspecto é a participação ostensiva do Ministério da Fazenda, que agora transmite os sinais sobre o rumo dos juros e é tão ouvido pelo mercado quanto o próprio Banco Central. Outro ponto crucial é o deslocamento do foco para os dados de atividade econômica, e não apenas de inflação. A moldura final desse novo cenário é a alta dose de volatilidade dos ativos e das projeções.

As idas e vindas provocadas pelas múltiplas vozes do governo que interferem na política monetária e os sinais contraditórios emitidos pelo Banco Central na comunicação com o mercado, sob o comando de Alexandre Tombini, incomodam os especialistas que acompanham de perto esses movimentos. "O melhor dos mundos é que o Banco Central tenha uma visão clara e consiga comunicar ao mercado qual é a direção", comenta o gestor de um grande fundo local. "O Brasil fazia isso bem, mas agora tem dificuldade porque o BC não é mais o principal formulador."

O principal problema gerado por essa situação, dizem os especialistas, é uma oscilação muito grande nos preços, ingrediente que nubla a capacidade de previsão dos agentes. Isso prejudica, por sua vez, a gestão dos fundos de investimento, assim como a "precificação" do crédito para empresas e de outros ativos, como ações. Basta lembrar que o cálculo do chamado NDF - remuneração do estrangeiro que decide aplicar em ativos prefixados no Brasil - leva em conta uma taxa de volatilidade. Quanto maior essa taxa, menor a atratividade do capital externo.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências, confirma o desconforto dos agentes com o excesso de volatilidade, que magnifica ganhos e perdas no mercado de juros. A autoridade monetária, na sua visão, tem contribuído para esse ambiente volátil pela "falta de clareza de objetivos", o que não deve ser confundido, como ele ressalva, com mudanças de cenário típicas do contexto global nos últimos anos.

"Se as expectativas mudam muito, o risco cresce e o mercado se retrai, passando a operar mais no curto prazo", explica o estrategista da Nomura Securities, Tony Volpon. Ele ressalta que não se espera que o Banco Central acerte sempre. Mas que deixe claro qual é o plano de voo traçado, apontando os riscos dessa estratégia. E venha a público explicar quando as coisas ficarem diferentes do que se imaginava.

Com a participação do Ministério da Fazenda nas ações de política monetária, o mercado comprou a ideia de que o BC deslocou seu foco de atuação para os dados de atividade econômica, e não está de olho apenas na inflação. "O governo tem dado uma clara ênfase à atividade, especialmente às condições da indústria. É quase uma obsessão", diz o economista-chefe do BES Investimentos, Jankiel Santos

A mudança de rumo ficou bastante evidente na semana passada, quando o fraco resultado da produção industrial do mês de março fez os juros futuros derreterem. Os indicadores negativos de venda de papelão ondulado e do movimento nas estradas, em abril, eliminaram a reação dos DIs ao IPCA mais salgado do mês, que foi de 0,64%.

"A atividade é uma variável muito mais difícil de prever", analisa Volpon, da Nomura. "Os modelos mostram que a inflação começa a aparecer antes mesmo da recuperação econômica. É aí que o efeito da atual postura do BC vai se sentir com mais força no mercado", completa. "Por não saber como o atual BC agiria em um momento de tensão com inflação, o mercado ficaria muito nervoso e os juros mais longos disparariam", diz outro analista. "A conta dessa política virá quando a recuperação da atividade começar", completa.

A leitura não é de que o BC abandonou o regime de metas, mas sim que deixou de ser um motivo de tensão ver o IPCA mais perto de 6,00% do que de 4,50%. O mercado já incorporou essa ideia, como comprovam as projeções dos analistas que mostram, ao mesmo tempo, queda da Selic e alta da inflação. O relatório do Itaú Unibanco, por exemplo, aponta a Selic em 7,75%, e não mais em 8,50%, conforme previsão anterior. Isso ocorreu a despeito da ascensão da inflação: o banco revisou a projeção do IPCA para 2013 de 5,6% para 5,7%.

Gustavo Loyola corrobora a percepção de que está em curso um processo de degradação do regime de metas inflacionárias, mas não que tenha ocorrido um retrocesso no padrão de responsabilidade monetária conquistado pelo país. É certo, como afirma em tom crítico, que a coordenação das expectativas não ocupa mais o centro do palco, como se fosse algo acessório em um modelo concebido justamente com esse objetivo.

Por ora, a reação negativa aos novos parâmetros da política monetária não está inteiramente evidenciada nos preços. Os juros futuros de longo prazo recuam, reagindo à demanda dos investidores, e o Tesouro tem conseguido rolar sua dívida com facilidade e a custos menores. No último leilão tradicional, pagou juros baixos por um lote mais robusto, de 6 milhões de LTNs com datas de vencimento em 2012, 2014 e 2016.

A explicação para esse horizonte ainda desconexo entre a realidade dos preços e a inquietação detectada nos agentes do mercado é o fato de a economia mundial estar vivendo um momento atípico, com fraco crescimento e juros muito baixos. "O investidor está aplicando aqui porque não tem boas alternativas. Mas, assim que surgirem os primeiros sinais de recuperação econômica, esse quadro pode virar", diz um profissional.

Outra fonte próxima ao governo avalia que o mercado parece ter aceitado o sinal do BC de que irá até o "limite da responsabilidade" na redução dos juros. Mas alerta que, no momento em que a recuperação econômica vier, a autoridade monetária terá cultivado uma coleção de incertezas e isso pode atrapalhar até o processo de gestão da dívida pública. "O risco é o mercado migrar para operações compromissadas, de curto prazo", afirma.

Ainda de forma incipiente, esse clima de desconfiança começa a aparecer em alguns documentos de instituições financeiras internacionais. Na semana passada, o UBS divulgou relatório em que chama a atenção para a forte influência do Palácio do Planalto sobre as decisões do Banco Central, apontando o temor dos investidores de que o BC não seja firme no combate à inflação. Assim, "a partir de ações políticas recentes, o risco de as expectativas de inflação se tornarem desequilibradas é certamente maior do que foi no passado", indicaram os autores do relatório.

A menor previsibilidade da política monetária brasileira afeta, no limite, todos os agentes econômicos e não apenas o segmento financeiro, na avaliação de Loyola. Em outras palavras, segundo ele, trata-se de um novo cenário que subtrai racionalidade do processo de tomada de decisão de investimentos e consumo no país.