Título: 'Trapalhadas' do governo municiam oposição e geram onda de greves
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2006, Política, p. A11

O governo do presidente boliviano, Evo Morales, passa por sua primeira grave crise envolvendo acusações de corrupção exatamente na hora em que se mostra claudicante na gestão dos recursos naturais, que foram nacionalizados em maio. A oposição boliviana vem centrando seu fogo no que chama de "muito espetáculo e pouca administração", segundo um crítico ao governo que pediu para não ser identificado.

Os partidos oposicionistas Podemos e UN foram os artífices da censura ao ministro dos Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, aprovada no Senado na semana passada. "Soliz Rada é a principal figura na política de nacionalização de Evo Morales. Por isso mesmo, ele acabou se tornando os 'pés de barro' dessa política", disse o crítico, dando indícios de que a figura do ministro deve continuar a ser alvo dos ataques oposicionistas.

A sucessão de erros de gestão, segundo especialistas do setor, começou no dia do decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos: não havia técnicos preparados para assumir a direção das instalações nacionalizadas; o governo não tinha capital disponível para assumir as operações, não podendo se responsabilizar pelo mais simples fluxo de caixa; e a falta de negociação e o clima de enfrentamento com as empresas estrangeiras vem provocando uma fuga de investimentos.

Quanto à falta de capital, o próprio Soliz Rada reconheceu na semana passada que a YPFB não havia conseguido ainda controlar a cadeia produtiva dos hidrocarbonetos por causa da "falta de recursos econômicos".

No que foi considerada mais uma "trapalhada" da administração, o ministro disse que um pedido de empréstimo de US$ 180 milhões fora enviado ao Banco Central do país, para assegurar os recursos necessários para a assumir de verdade as operações da indústria petroleira.

Pouco depois o pedido foi rejeitado pelo Banco Central, já que a Constituição o proíbe de emprestar para o governo ou para autarquias. Os críticos do governo classificaram o plano de "pegar dinheiro no BC" como sendo de "um primarismo inacreditável".

Quanto à fuga de investimentos, a previsão da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos, que reúne as empresas do setor, é de que o cenário piore. Para a CBH, os investimentos externos no país em 2006 devem ficar em torno de US$ 100 milhões - uma queda drástica quando se leva em conta que esses investimentos totalizaram US$ 600 milhões em 2000.

A oposição já vê a onda de protestos e de greves atual no país como um reflexo do descontentamento com governo. Ontem, as autoridades entraram em acordo com os funcionários de transporte público, colocando fim a uma greve iniciada terça-feira, mas o mesmo não foi alcançado com os professores, que aumentaram seus protestos. Além disso, continua a greve de fome dos trabalhadores do seguro nacional de saúde.

Os professores exigem a renúncia do ministro de Educação, Félix Patzi, mas o ministro foi ratificado pelo governo.