Título: Bolívia inviabiliza o setor de gás, diz a Petrobras
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2006, Política, p. A11

O presidente da Petrobras Bolívia, José Fernando de Freitas, se disse "moderadamente otimista" sobre a possibilidade de iniciar nova rodada de negociações com a Bolívia após a nomeação de Juan Carlos Ortiz Banzer para a presidência da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que assumiu o lugar de Jorge Alvarado esta semana.

Freitas está preocupado com o curto período de tempo para negociar, considerando que faltam apenas dois meses para que vença o prazo de 180 dias estabelecido no decreto de nacionalização para que sejam negociadas as novas regras e os novos contratos de exploração e produção de gás.

As negociações com o governo continuam paradas mesmo depois da visita ao Brasil do vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, que se reuniu separadamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. Durante a visita, na semana passada, Linera prometeu que as negociações a partir de agora terão a presença de mais ministros do governo e não apenas do ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, um ferrenho opositor das petroleiras.

"Se vamos entrar realmente em um período de negociação para um acordo que seja bom para ambas as partes o prazo que temos é curto, vence no dia 28 de outubro. Temos dois meses, e as posições do governo boliviano precisam retroceder para que se encontre um ponto de equilíbrio", disse o executivo.

Apesar da intenção da Bolívia de aumentar as exportações de gás, o país não tem mais capacidade adicional sem realizar pesados investimentos em exploração e produção. Atualmente, a capacidade de produção de gás é de aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos/dia, menor que o total dos contratos de venda. São 30 milhões de metros cúbicos contratados pelo governo brasileiro e a Petrobras, com prioridade sobre os outros contratos. Mais 2 milhões para a térmica de Cuiabá; 1,2 milhão para a Congás, trazidos pela BG; e 7,5 milhões para a Argentina. Mas o Gasbol tem capacidade de carregar apenas 30 milhões de metros cúbicos/dia, o que significa que se todos os contratantes pedirem volumes máximos previstos em contratos, vai faltar gás.

"Qualquer volume adicional exige muitos investimentos, e hoje isso não é viável economicamente. Do ponto de vista legal, existe um emaranhado, já que o Decreto Supremo [que instituiu a nacionalização] contradiz as leis, que contradizem as regulamentações. Simplesmente não há como fazer nada. Não se trata de represália, é uma reação natural das empresas", diz Freitas.

A nova lei criou tributação adicional de 32% sobre os impostos que já incidiam sobre a produção do petróleo (de 50%) desde o ano passado. Segundo o executivo da Petrobras, se a lei de 2005 reduziu a rentabilidade das empresas, com os 82% de impostos a atividade torna-se inviável. "Do jeito que está, a nova lei inviabiliza o setor de hidrocarbonetos".

A Petrobras começa a discutir hoje as reivindicações dos índios guaranis que ameaçam cortar o fornecimento de gás para o Brasil. A reunião entre o gerente geral da Transierra, Marcos Benício Antunes, com representantes da Assembléia do Povo Guarani (APG), vai acontecer em um hotel na cidade de Camiri, um local considerado "neutro". A segurança dos negociadores foi garantida pelo ministro do Desenvolvimento Rural da Bolívia, Hugo Salvatierra.

A Transierra é resultado da associação da Petrobras com Repsol e Total, e opera um gasoduto que liga os campos de gás de San Alberto e San Antonio, na região de Yacuíba, até Rio Grande, onde começa o Gasoduto Bolívia Brasil. Os índios estão ocupando há mais de uma semana a estação operacional de Parapetí, da Transierra, e querem acelerar o repasse de US$ 9 milhões que seriam investidos ao longo de 20 anos, com aportes anuais de US$ 450 mil. O acordo, firmado na época da construção do gasoduto, que custou cerca de US$ 300 milhões, prevê o pagamento como compensação por danos ambientais causados pela obra.

Freitas disse que a companhia está disposta aumentar a contribuição estabelecida no contrato nos primeiros anos, desde que seja possível deduzir esses valores das prestações pagas no últimos anos de vigência.

Mas frisou que não há espaço no caixa da Transierra para desembolsar US$ 9 milhões de uma única vez, como querem os guaranis, já que a empresa tem uma dívida com o Internacional Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial, que está sendo amortizada.

"Podemos negociar esses desembolsos, desde que sejam apresentados projetos em benefício das comunidades indígenas", disse. "Podemos negociar mas não podemos antecipar o convênio de longo prazo. A companhia não tem liquidez para isso porque grande parte da receita já está comprometida com o Banco Mundial", explicou.