Título: Mantega evita G-20, mas festeja a vitória
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 26/10/2010, Economia, p. 15

Ministro comemora compromisso de países de evitar desvalorização intencional de moedas

Apesar de ter se ausentado ao encontro do G-20, realizado no último fim de semana, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, buscou faturar os louros pelo compromisso assumido entre os países de evitar a desvalorização intencional de suas moedas (buscando blindar o próprio mercado) e pela reforma nas cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelo novo acordo, os países emergentes ganharam maior representatividade no organismo. Mas apesar de ter comemorado a revisão, Mantega ressaltou que ela é insuficiente. ¿Para nós, é um grande avanço, mas a reforma não é a ideal nem a definitiva.¿

O ministro, que enviou um representante à Coreia do Sul, explicou sua falta à cúpula pela necessidade de ficar no Brasil e monitorar os efeitos das medidas tomadas para frear a queda do dólar ¿ a principal delas, a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 4% para 6%. ¿Estive em Washington na semana anterior e coloquei a questão cambial como tema. Também conversei com o secretário do Tesouro norte-americano (Timothy Geithner) sobre isso, mas (no fim de semana) achei mais importante estar no país para acompanhar as consequências das ações¿, justificou.

Dono da expressão ¿guerra cambial¿, Mantega disse que não deflagrou nenhum conflito, apenas expôs sua existência e declarou-se contemplado com a disposição do G-20 em combater os movimentos cambiais artificiais, que não refletem os fundamentos de cada economia, descritas em documento publicado ao fim do encontro. ¿A guerra já era uma realidade, só faltava reconhecê-la¿, destacou.

Calibre Quanto aos resultados da batalha em solo brasileiro contra a supervalorização do real, Mantega lembrou que ainda não utilizou as ¿armas de grosso calibre¿ disponíveis. ¿Estou muito satisfeito com os resultados (das providências adotadas) e tomaremos outras medidas, se necessário. Talvez, após a atuação de outros países, ações adicionais internas tornem-se desnecessárias. Poderemos até retroceder em alguns pontos¿, considerou.

Apesar do avanço nas discussões, ainda há muito que ser feito na questão cambial, segundo avaliação do economista André Sacconato, da Tendências consultoria. Para ele, a busca por uma solução coordenada era a atitude natural esperada pelo mercado, mas ainda é insuficiente. ¿Não há muita saída. Se você não fugir do intervencionismo unilateral, todos os países perderão. Essa primeira fase está tranquila, mas há um longo caminho a percorrer.¿

A exemplo dos representantes de outros países, Mantega rechaçou a proposta dos Estados Unidos de estabelecer metas para os resultados em transações correntes (conjunto de trocas comerciais e financeiras entre países). Confiante nos resultados do IOF, o ministro rebateu a tese de que é necessário realizar um ajuste fiscal nos gastos públicos como forma de reduzir a pressão inflacionária e permitir juros menores. ¿A alta de preços tem a ver com os alimentos e o raciocínio de que menos despesas reduziriam a Selic é de quem não conhece o sistema de metas de inflação¿, disse.

Mais força no FMI A segunda reforma do FMI, definida na reunião do G-20, coloca o Brasil entre os 10 nações com maior influência no Fundo. Com a alteração, o país passa a deter 2,32% das cotas, o que lhe dá maior participação nas decisões de cúpula. A mudança também conferiu aos Brics (bloco de emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China) uma representatividade de 14,18% ¿ patamar considerado importante, mas ainda insuficiente para assegurar o poder de veto ao grupo.

Brasil cogita título de 100 anos Em um esforço para manter fora do país os investimentos estrangeiros de curto prazo, o governo não descarta novas ações para conter a valorização do real e espera fazer pelo menos mais duas a três captações externas em reais até o fim do ano, afirmou ontem o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Para 2011, os planos são ainda mais ousados. Já se cogita, por exemplo, a emissão de um título externo em dólares com vencimento em 100 anos. ¿É uma hipótese de trabalho. O valor simbólico talvez seja importante. É mais uma demonstração de fundamento sólido, um aspecto que a gente tem que considerar¿, ponderou, em entrevista à Reuters.

Face ao clima de incerteza no mercado, Augustin disse que não há definição sobre a possibilidade de acabar com a isenção de Imposto de Renda sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa. ¿O governo não está colocando limite para sua intervenção cambial. O que for necessário, a gente vai fazer¿, afirmou. Não estão descartados, segundo ele, nem mesmo novos aumentos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos em renda fixa. A ampliação dos limites de compra de dólares pelo Tesouro também está entre as possibilidades a que o governo poderá recorrer.

O secretário do Tesouro informou que o governo cogita aumentar o volume e reduzir os prazos dos títulos externos emitidos em reais. A estratégia busca tornar esses papéis uma alternativa para os investidores que aplicam na dívida interna brasileira. Augustin disse que a próxima emissão poderá ser de 10 anos, num prazo menor do que o da primeira. Na semana passada, o governo voltou a emitir papéis em reais com prazo de 18 anos.

Frear real é solução Caso a política do governo de frear a valorização do real obtenha sucesso, o financiamento do deficit em transações correntes será facilitado, já que as exportações do país tendem a ficar mais competitivas e as importações, mais caras, avaliou ontem o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Balanço divulgado pelo Banco Central mostrou que o país acumula um rombo em conta-corrente de US$ 35 bilhões até setembro. A estimativa do BC é de que o deficit cresça ainda mais e atinja US$ 49 bilhões até dezembro.

Ao dificultar a entrada de investimentos estrangeiros no país, o governo corre o risco de enfrentar dificuldades no financiamento de seu deficit externo. ¿As pessoas esquecem que o objetivo de não deixar a valorização (do real) ser excessiva é exatamente olhar para a conta-corrente a longo prazo¿, ponderou Augustin. A seu ver, uma resposta da balança comercial ocorrerá a curto prazo