Título: Parlamentares tomaram lição de direito penal
Autor: Junqueira, Caio; Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2012, Politica, p. A9

Sem dizer nada na CPI, o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acabou dando uma grande aula de direito penal aos parlamentares da comissão. Basicamente, a de que em qualquer processo o réu deve ser um dos últimos a serem ouvidos e não um dos primeiros, sob pena de atrapalhar a investigação.

A lição foi rapidamente aprendida. Em menos de duas horas após o início do seu depoimento, foi unânime a decisão de adiar o depoimento para depois que Cachoeira falar à Justiça Federal de Goiás, nos dias 31 de maio e 1 de junho. Afinal, a exposição das perguntas e a ausência das respostas auxiliaria apenas a defesa do depoente, que o prepararia para uma futura inquirição.

Mas como na CPI a adequação às regras processuais - e racionais - parece se submeter aos interesses pessoais e partidários dos seus integrantes, ao menos foi possível verificar as estratégias que cada grupo levará adiante na comissão.

A da oposição, que dominou a primeira parte da sessão desta tarde, será a todo custo colocar o PT no foco dos trabalhos da CPI. Isso vale tanto para o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, como para eminências petistas que tiveram destaque no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula, aliás, foi o grande sujeito oculto no depoimento de hoje. Dois dos seus mais importantes ministros do primeiro mandato, José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) foram citados pelos oposicionistas como possíveis elos com o esquema Cachoeira, além de seu ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, atual presidente do conselho de administração da holding J&F, que comprou a construtora Delta.

Já o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), desafeto de Lula, foi o principal alvo dos petistas, em suas tentativas de arrancar de Cachoeira explicações sobre o grau de envolvimento do tucano com o esquema. Afinal, tudo começou ali, em Goiás.

Mas desse ambiente com personagens que remetem à era Lula, quem mais brilhou foi seu ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado do depoente, artífice da estratégia de manter Cachoeira calado. Tão quieto quanto seu cliente, mostrou aos parlamentares que depoimentos, se almejarem o espetáculo, terão como resposta o silêncio assegurado pela Constituição.

Não à toa, Bastos foi reverenciado por todos os parlamentares com elogios diversos. Até mesmo pelo deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-RJ), ex-delegado na Polícia Federal subordinado a Bastos em seus anos de ministério. "O senhor soube dignificar a PF", declarou Protógenes, que foi afastado do cargo após denúncias de irregularidades na Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas.

Os elogios a Bastos destoavam das manifestações a Cachoeira. "Cínico", "arrogante", "múmia", "marginal", "criminoso", "bandido" foram alguns dos adjetivos, acompanhados de ironias como "fale sobre o seu dia a dia no presídio?"

A maior revelação da sessão acabou sendo feita pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), posteriormente confirmada pelo relator da CPI, Odair Cunha (PT-MG): o de que o ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, movimentava as contas da matriz da empresa no Rio de Janeiro. Um indício de que a atuação do esquema não se restringe a Goiás.