Título: Governo volta atrás e ignora promessa de corte de gastos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Opinião, p. A10

A proposta orçamentária enviada pelo governo Lula ao Congresso Nacional é mais do que nunca uma peça de ficção. Para começar, o projeto elaborado não segue o que está escrito no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de autoria do próprio governo e que, até hoje, não foi votado pelo Poder Legislativo.

O grande mérito da proposta de LDO, encaminhada em abril aos congressistas, foi prever a aplicação de um redutor de despesas no orçamento a vigorar em 2007 e nos anos seguintes. O dispositivo obrigaria o governo a cortar, anualmente, os gastos correntes em 0,1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), algo equivalente hoje a cerca de R$ 2 bilhões. Como, nos últimos três anos, o governo Lula expandiu os gastos públicos numa velocidade bem superior à da inflação, o redutor previsto na LDO sinalizaria uma possível, necessária e esperada mudança de comportamento.

Na verdade, o governo já havia assumido compromisso parecido no ano passado, mas acabou não entregando o que prometeu. Em 2005, os gastos subiram bem acima do previsto e o governo, ignorando os ditames legais, não fez, em 2006, os cortes exigidos. Dessa vez, a regra, apregoaram os ministros da Fazenda e do Planejamento em abril passado, seria para valer. Seria. Na proposta orçamentária de 2007, o redutor está sendo solenemente ignorado. Não, claro, sem uma explicação supostamente técnica. Em 2005, para não cumprir o corte de despesa previsto na LDO do ano anterior, o governo alegou que o Congresso, ao aprovar o orçamento daquele ano, criou exceções que, na prática, tornaram ineficaz a aplicação do redutor.

Na LDO deste ano, o governo decidiu que, sobre as despesas de 2007, seria aplicado um redutor, excetuando-se do conjunto dos gastos as transferências constitucionais para Estados e municípios e a complementação determinada pela Justiça para a correção dos saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A Comissão Mista de Orçamento (CMO), atendendo ao pleito de governadores, decidiu incluir, entre as exceções, as compensações da Lei Kandir (ressarcimento de perdas dos Estados com desoneração tributária de exportações) e os repasses obrigatórios para custeio do Distrito Federal.

A LDO aprovada pela comissão não foi votada no plenário - uma situação absurda, pois, pelas leis vigentes, a LDO deve ser enviada ao Congresso em abril e votada antes do recesso do meio do ano. Isso não aconteceu, deputados e senadores não poderiam entrar em recesso, mas, como no Brasil, dá-se um jeito em tudo, especialmente quando o ano é eleitoral, os parlamentares inventaram o anacronismo do "recesso branco".

O governo amparou-se no fato de o Congresso ter alterado a base de cálculo das despesas correntes, na qual seria aplicado o redutor de gastos, para deixar de se comprometer com sua proposta original e jogar a resolução do impasse para o Congresso. Ora, se estava realmente interessado em emitir um sinal de austeridade fiscal, o Executivo deveria ter mantido a coerência, reeditando, na proposta orçamentária, o compromisso assumido na LDO. Ao se recusar a fazer isso, ajudou a criar mais dúvidas sobre o desempenho das contas públicas no próximo ano.

O projeto orçamentário enviado ao Congresso assemelha-se, em boa medida, ao programa de governo para o eventual segundo mandato de Lula. Nele, tudo aumenta em relação a 2006: as despesas correntes (R$ 50 bilhões), o déficit da Previdência Social (R$ 5,4 bilhões), os salários do funcionalismo (R$ 11,2 bilhões), o número de servidores (autoriza-se a contratação de 46 mil funcionários), os benefícios do INSS (R$ 19,8 bilhões), a carga tributária federal (de 17,24% para 17,41% do PIB) e o salário mínimo (aumento real de 3%).

Razão pela qual se torna difícil acreditar que o orçamento de 2007 seja exeqüível. Reservadamente, ministros e técnicos oficiais comprometidos com o rigor fiscal asseguram que, passada a eleição, o governo voltará aos trilhos da austeridade. Até lá, o país pagará o preço das incertezas sobre o futuro da política fiscal, alimentando nos agentes econômicos expectativas negativas que, em última instância, ajudam a conter a expansão do nível da atividade econômica