Título: Onda de IPOs cria elite de executivos
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2006, Opinião, p. A11

O boom de ofertas iniciais de ações nos últimos três anos elevou alguns empresários brasileiros à categoria de bilionários. Isso já é sabido. Mas houve ainda um outro efeito simultâneo que tem passado despercebido: foi criada uma nova elite de executivos no país. São presidentes e diretores, em geral na casa dos 35 a 45 anos, que receberam opções de ações das respectivas companhias em que trabalham quando seu capital ainda era fechado. Eram papéis de baixo valor e quase nenhuma liquidez que, portanto, representavam grande risco para os seus detentores.

Leo Pinheiro/Valor O headhunter Flávio Kosminsky, da Korn Ferry, diz que movimento atingiu também o nível gerencial e deu origem a uma geração de executivos milionários Mas o quadro de incerteza começou a mudar a partir de 2004, com o florescimento do mercado acionário. Concretizadas várias estréias de empresas em bolsa e com as ações, de modo geral, experimentando valorização expressiva a partir de então, essa turma começou a embolsar cifras milionárias, dignas de causar inveja ao pessoal do mercado financeiro e seus gordos bônus semestrais.

O formato dos programas de opções, as operações de exercício e, em alguns casos, até a venda dos papéis estão registrados em documentos públicos entregues pelas empresas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As informações são disponibilizadas de forma fragmentada, o que dificulta o entendimento completo dos números relativos a cada empresa e/ou executivo.

Antes de abrir seu capital, em 2004, a companhia aérea Gol entregou a um restrito grupo de vice-presidentes 937 mil opções de aquisição de suas ações preferenciais. O preço de exercício foi fixado em módicos R$ 3,04 por ação, o valor patrimonial dos papéis na ocasião em que o fundo de private equity AIG Capital comprou uma fatia da empresa, em 2003. O valor pago pelo fundo, que aplicou US$ 26 milhões na empresa, serviu de parâmetro para fixar o preço de exercício dos funcionários.

A partir do ano passado, os executivos da Gol começaram a exercer as opções. Tudo indica que até agora vêm mantendo as ações em seu poder, em vez de vendê-las. A preços atuais em bolsa, esse lote, com preço de aquisição de R$ 2,8 milhões, vale agora cerca de R$ 70 milhões. É uma das diferenças mais marcantes entre preço de exercício e valor em bolsa de que se tem notícia e o caso se tornou célebre no mercado financeiro.

A gestora de fundos de capital de risco GP Investimentos é freqüentemente lembrada pelos especialistas por ter sido o agente que melhor replicou o agressivo modelo de opções de ações americano aqui no Brasil. É de uma das empresas de seu portfólio, a América Latina Logística, que sai outro grande exemplo desse recente fenômeno.

Alexandre Behring, que presidiu a concessionária de ferrovias desde a privatização, em 1997, deixou o posto no início de 2005. Levou consigo um caminhão de opções de ações da empresa. "Ao sair da presidência, ele tinha cerca de 80% de seu patrimônio pessoal em ações da ALL", comenta uma pessoa próxima.

Na oferta pública inicial da ALL, em junho de 2004, Behring vendeu R$ 7,3 milhões em ações. Depois disso, em outubro de 2004, ele adquiriu 886 mil ações preferenciais da ALL dentro do programa de opções criado pela empresa em 1999. O custo do exercício das opções foi de R$ 32 milhões.

Em três operações de venda feitas posteriormente e encontradas pelo Valor em documentos enviados à CVM, o executivo embolsou R$ 65 milhões. As operações foram feitas em janeiro, novembro e dezembro de 2005. Nas duas últimas, os papéis vendidos já não eram PNs, mas sim units da companhia (1 ON mais 5 PNs). Behring ainda hoje co-preside o conselho de administração da ALL, além de gerir parte do patrimônio de Jorge Paulo Lemann e seus sócios a partir de Nova York.

"Fomos pioneiros em conceder opções a executivos e fomos muito agressivos", reconhece Antonio Bonchristiano, um dos sócios controladores da GP. "Mas temos vários casos de executivos que gramaram em três empresas que não deram certo antes de colocar algumas dezenas de milhões no bolso", completa Fersen Lambranho, outro sócio-controlador da GP.

Para eles, as opções de ações são o melhor instrumento de alinhamento de interesses entre acionistas e corpo de executivos. "O sucesso do nosso negócio depende de termos pessoas na ponta que se sintam donas das empresas e tomem as decisões como se nós próprios estivéssemos lá", diz Bonchristiano. "E isso não se consegue com bônus ou outro tipo de remuneração variável, mas com ações."

Na incorporadora imobiliária Gafisa, outra empresa do portfólio da GP, um grupo de dez executivos, entre diretores e gerentes, recebeu 4,275 milhões de opções num plano criado no início da década. O lote todo vale potencialmente, a preços atuais em bolsa, R$ 122 milhões. Desse total, a maior fatia (cerca de R$ 42 milhões) pertence ao diretor presidente da Gafisa, Wilson Amaral.

Apenas uma parte foi exercida até agora. Uma reunião de conselho da Gafisa realizada em março deste ano, por exemplo, aprovou o exercício de 719,7 mil opções desse programa, que foram subscritas pelos executivos por R$ 2,397 milhões. Feitas as contas, o preço de exercício foi de R$ 3,33 por ação, bem abaixo dos quase R$ 30 registrados no pregão atualmente.

A Lojas Renner, primeira empresa a pulverizar o seu capital no país, há pouco mais de um ano, também criou um plano de opções para beneficiar os executivos que continuariam tocando a companhia em sua nova fase, sem um dono. Foram concedidas 152 mil opções ao preço de exercício de R$ 31,77 e 11 mil opções ao preço de exercício de R$ 45,75 por ação (os valores são atualizados pelo IPCA até a data de exercício). O preço da ação ordinária da rede está agora em R$ 130, o que representa um valor de R$ 21 milhões para as ações, caso fossem convertidas hoje. Procuradas, as companhias ou seus executivos não comentaram.

O efeito de enriquecimento de executivos não se restringe apenas ao primeiro time das empresas. Houve um efeito cascata que atingiu o nível gerencial. Flávio Kosminsky, diretor da Korn Ferry, empresa de recolocação de altos executivos, recentemente sondou um gerente de RH de 30 anos de uma das empresas que abriu o capital. "Se sair antes de um ano e meio, ele deixa mais de R$ 700 mil. Seu preço ficou alto e outras empresas não estão dispostas a pagar", diz Kosminsky. Na média, os valores recebidos no nível gerencial estão na casa de R$ 1 milhão. "A onda de IPOs criou uma geração de executivos milionários", diz.