Título: Efeito telefonia
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

A reviravolta no processo de reestruturação da Telemar a partir de um parecer da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) provocou perdas para muitos fundos multimercados em agosto, especialmente para os de arbitragem ou long/shorts.

De um total de 51 fundos long/short acompanhados pelo Valor, com base no site Fortuna, 28 tiveram perdas no dia 21, quando o mercado se ajustou às medidas tomadas pela CVM e a ação ordinária (ON) da telefônica caiu quase 20%. O índice de fundos long/short da Arsenal Investimentos mostra também a queda de rentabilidade média no dia 21.

A maioria dos fundos long/short tinha em carteira ações ordinárias da companhia, apostando que elas subiriam caso a operação se realizasse com base em uma relação de troca de 2,6 papéis PN por um ON. Ao mesmo tempo, alugavam e vendiam ações preferenciais, na expectativa de comprá-las mais adiante por um preço menor para devolver ao dono, ganhando a diferença.

O cenário mudou no dia 18 à noite, quando a CVM alterou a regra da assembléia que aprovaria a operação, impedindo o voto dos ordinaristas, e as ações ON despencaram, trazendo perdas para os long/shorts. Os multimercados mistos, que reúnem várias estratégias e fazem um pouco de arbitragem, também perderam parte da rentabilidade. Além disso, a decisão da CVM afetou outros papéis do setor de telefonia, uma vez que a operação da Telemar era vista como um modelo para outros conflitos societários como o da Brasil Telecom. Houve impacto também no Ibovespa, já que a telefonia mantém peso significativo, de 10%.

A boa notícia é que a maioria dos gestores conseguiu recuperar as perdas no mês, afirma Aline Sun, responsável pela área de fundos de fundos do Unibanco. Segundo ela, o episódio mostrou que os long/shorts estavam bem pulverizados, com posições pequenas, e mesmo com a queda tão expressiva de um papel, de 20%, ninguém teve problemas mais sérios.

O mercado se dividiu entre os que criticaram a forma como a decisão da CVM foi tomada - a grande maioria, gente que perdeu dinheiro - e os que elogiaram. "A Telemar anunciou a operação em abril e a CVM agiu só no momento que o papel ON estava mais valorizado, poderia ter quebrado alguém", afirma um gestor que pediu para não ser citado.

Mas o grande foco das discussões foi a explicação do sócio da Hedging-Griffo Luis Stuhlberger ao Valor sobre as operações de aluguel e venda de ações ON da Telemar antes do parecer da CVM. Gestores que perderam dinheiro na operação procuraram o Valor para questionar os argumentos. Uma das questões se refere à rapidez com que a Hedging-Griffo tomou a decisão de vender ações ON já no dia 17, logo após a Telemar divulgar fato relevante que confirmava a reestruturação. Um gestor lembra que os papéis que a Hedging-Griffo tinha eram ON, que seriam beneficiados pela fusão. "O comunicado dava pelo menos 30 dias para a empresa marcar assembléia, havia tempo para vender sem sair como um louco e mexer com o mercado." Outra ponto é o elevado volume vendido em dois dias, quase cinco vezes o giro médio diário do papel.

Stuhlberger não quis falar sobre esses comentários, lembrando que explicou com detalhes as operações na semana passada. Ele disse que a decisão de vender as ações ON foi motivada pelo fato de a diferença (spread) entre o papel ON e o PN estar em seu ponto máximo em dois anos e que, após o comunicado da empresa no dia 16, ele previu uma disputa jurídica que inviabilizaria a operação.

Outros gestores lembram os R$ 5 bilhões em ações que a Hedging-Griffo tem sob gestão, grande parte sob os cuidados diretos de Stuhlberger. Isso o torna um verdadeiro operador de tempestades no mercado. "Qualquer movimento dele, por menor que seja, faz um estrago razoável" diz o sócio de uma gestora independente.

Sobre a rapidez na decisão, gestores lembram do fato relevante da Telemar no dia 16. "Da forma como estava a proposta da empresa, a contestação dos minoritários era esperada e, se havia chance de ganhar naquele momento, era melhor garantir o retorno", afirma outro gestor independente.

Ele lembra que há gente com mais apetite para risco. "Se a operação tivesse saído antes do fato relevante da Telemar, aí sim haveria justificativa para eventual suspeita", afirma o gestor. "A gente já viu várias vezes movimentos de preços de ações antes de fato relevante - como nas reestruturações de Vivo, Embraer e Belgo Mineira, ou quando o governo aumentou a participação de estrangeiros no Banco do Brasil - que deixam a gente chateado, mas não foi o caso."

São justamente essas movimentações que alimentam boatos e acusações de insider como as feitas pela carta anônima que circulou na semana passada sobre as operações de aluguel de Telemar. Especialmente depois de a CVM ter detectado em sua própria diretoria um vazamento de informações que, se não beneficiou ninguém, precisa levá-la a rever seus procedimentos, diz um outro gestor independente. E lembra o caso da apresentadora Martha Stewart - versão americana da nossa Ana Maria Braga - que passou uma temporada na cadeia depois de usar informações dadas por um empresário no intervalo de uma entrevista para comprar ações.

A CVM, por sua vez, lembra que já julgou dois casos de insider este ano, um da Grazziotin e outro da AES, e que os processos são demorados, até cinco anos, tanto aqui quanto nos EUA.