Título: Crédito volta a subir após freio em junho
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Finanças, p. C1

Os bancos reativaram a concessão de crédito nos meses de julho e agosto, depois de frear o volume de empréstimos em junho para enfrentar a alta da inadimplência. Segundo o diretor de empréstimos do Bradesco, Alexandre Gluher, julho e principalmente agosto mostraram um aumento de demanda e concessões. "Tivemos em junho uma pequena retração no volume de concessões. O crescimento da carteira passou dos 2,5% para pouco mais de 1,5%", afirma Gluher.

Em julho a concessão voltou a tender para 3% de crescimento mensal. Segundo Gluher, o crédito para a pessoa física cresceu mais, especialmente nas linhas de empréstimo pessoal e financiamento de veículos. No segmento de empresas, o maior crescimento ocorreu nos repasses de linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Um dos melhores desempenhos no Bradesco neste ano é na carteira de crédito imobiliário. Só até agosto foram emprestados R$ 1,3 bilhão, entre financiamentos para construtoras e compradores finais dos imóveis, quase o dobro dos R$ 700 milhões concedidos em todo ano passado. "Esperamos terminar o ano com R$ 2 bilhões", afirma Gluher. O crédito imobiliário não sofreu com o "soluço" de inadimplência no final do primeiro semestre como as linhas pessoais.

O presidente do banco Real ABN AMRO, Fábio Barbosa, diz que o volume de concessão de crédito em julho e agosto recuperou-se e voltou aos níveis anteriores à retração registrada no final do segundo trimestre. "A carteira voltou a crescer entre 2% e 2,5%", afirma. O maior crescimento nos últimos dois meses foi nas linhas voltadas à pessoa física, especificamente crédito consignado, e pequenas e médias empresas. Barbosa espera terminar o ano com aumento da carteira em torno de 25%, mas acredita que o crescimento econômico está abaixo do desejável para expansão mais segura dos empréstimos.

O presidente do Real ABN diz que o spread está aumentando, na média, nos empréstimos para empresas, porque os bancos estão começando a emprestar para companhias que antes não tinham acesso a crédito. "Na média, o spread aumenta porque estamos tomando riscos diferentes, emprestando para empresas de menor porte, que têm risco maior e antes não tinham acesso ao dinheiro. O spread poderia ser zero se só emprestássemos para a Vale do Rio Doce". João Ayres Rabêllo, do banco Fibra, diz que no "middle market", onde está a maior parte de seus clientes, em julho praticamente não havia demanda e em agosto "já houve uma melhora substancial".

O diretor de relações governamentais do HSBC, Hélio Duarte, afirma que no banco inglês o "freio" prevendo maiores perdas com inadimplência foi aplicado um pouco antes da média do mercado, no fim do ano passado. "Agora estamos retomando, mas com o crescimento econômico nesses níveis não há como expandir a carteira rapidamente". O diretor executivo do Santander, José de Paiva Ferreira, também acredita que o período de elevação da inadimplência e maior cautela acabou. "Julho ainda foi um mês atípico, por causa de férias escolares, mas agosto melhorou bastante". O banco espanhol também volta a registrar níveis mensais de crescimento da carteira de crédito em torno de 2,5%.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel), Rafael Cardoso, ainda não tem os números fechados, mas diz que o mês de agosto "foi muito bom", com aumento das concessões de leasing especialmente para pessoas físicas.

O Consultor de varejo financeiro Boanerges Ramos Freire acredita que a evolução dos sistemas de risco das instituições, que já passaram por diversas ondas de inadimplência nos 12 anos de Plano Real, permitirão daqui para frente um crescimento mais estável das operações de crédito, sem as características de "stop and go" tão comuns do passado. Alguns varejistas que trabalham com a população de baixa renda estão tendo melhores resultados em relação à inadimplência, diz, citando como exemplo o banco Ibi, da rede de lojas C&A. "Acredito que agora teremos crescimento contínuo, embora mais lento e sem períodos explosivos".

Num seminário sobre crédito para desembargadores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) organizado pela Febraban (federação dos bancos) em Comandatuba, os bancos apontaram o crédito imobiliário como o produto mais importante para atingir níveis de empréstimos sobre o PIB semelhantes aos de países desenvolvidos e argumentaram com os juízes que decisões que impedem a retomada de imóveis dos inadimplentes elevam os custos para todos os tomadores. Os bancos aguardam a formação de jurisprudência sobre a alienação fiduciária para imóveis. As ações contestando retomadas de imóveis residenciais pelo novo instrumento ainda não chegaram aos tribunais superiores. Garantir a retomada por meio da alienação é uma das maiores preocupações dos bancos, que consideravam empréstimos com garantia sobre hipotecas "inseguros", devido à formação de jurisprudência dificultando a retomada. O Brasil é hoje o único país a adotar alienação fiduciária para imóveis.

"Se descontarmos o crédito imobiliário do total de empréstimos de países que têm crédito de 120% ou 130% do PIB, sobra algo como 40%, não estamos tão longe disso", diz Barbosa, do ABN. A participação do crédito sobre o PIB no Brasil é de 32%, ainda ligeiramente abaixo dos 37% atingidos em 1994. O crédito direto ao consumidor no Brasil representa 9,92% do PIB, acima dos 7,95% do PIB no Chile ou 3,82% no México. Nos EUA, esse crédito é de 17,5% e no Reino Unido, 63,8%. Ou seja, o potencial de expansão do crédito para consumo não é mais tão grande.

O crédito imobiliário representa cerca de 2% do PIB, segundo dados da consultoria Accenture. O crescimento dessa carteira ajuda a alavancar o crescimento econômico em geral por influenciar a construção civil e outras áreas da economia. Os períodos recentes de expansão de crédito imobiliário no México, Chile e Espanha elevaram o crescimento econômico. No México, o crédito imobiliário saiu de zero em 1995 para 11% do PIB em 2004. No Chile, foi de 10% para 17%. Na Espanha, saltou de 19% para 44%. Para que o Brasil atinja proporção parecida com a chilena, teria que conceder anualmente R$ 28 bilhões em empréstimos imobiliários por uma década.

Considerando todos os recursos disponíveis da captação de poupança e assumindo que a aplicação fosse integral, teriam que ser financiados no mercado de securitização R$ 79 bilhões nos próximos dez anos para atingir o nível mexicano de crédito imobiliário sobre o PIB ou R$ 193 bilhões para empatar com o Chile.

No caso espanhol, também teve a contribuição de forte concorrência, que resultou em expressiva redução de juros. A taxa média dos financiamentos imobiliários despencou de 16% em 1990 para 3,3% hoje inferior à praticada nos EUA). O prazo médio dos financiamentos dobrou de 12 para 25 anos, e a redução dos custos reduziu a parcela de um salário mínimo gasto com prestações de um financiamento de 10 mil euros de 53% em 1990 para 10,6% em 2004.

A repórter viajou a convite da Febraban