Título: O peso do Mercosul nos ombros do Brasil
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2007, Brasil, p. A2

Já passa da hora de o Brasil rever sua estratégia de integração regional via Mercosul. Da maneira como funciona hoje, o bloco traz mais restrições do que vantagens ao país. Como bem notou o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni, hoje diretor do Centro de Economia Mundial FGV, o maior fracasso do Mercosul tem sido nas negociações comerciais com a União Européia e no âmbito da Alca (Área de Livre-Comércio das Américas).

A contradição está justamente aí, uma vez que a idéia de se criar um bloco regional era justamente para ampliar o poder de barganha dos países-membros e, assim, viabilizar acordos mais rápidos e vantajosos com outras economias e blocos. "A cláusula de negociação em conjunto torna o processo muito mais complexo, cuja conseqüência é, na prática, restringir a abertura econômica brasileira, fator crítico para alavancar a taxa de crescimento potencial do país", diz Langoni.

Os números nos colocam em franca desvantagem. Enquanto o Brasil tem sete acordos comerciais com 11 países, representando 17% de seu comércio exterior, o México fez 13 acordos com 46 países. Esses acordos atingem 80% do comércio do México com o mundo. O Chile, por sua vez, assinou 16 acordos com 52 países, cobrindo também 80% de seu comércio exterior. "Sem o acesso aos mercados assegurado por negociações comerciais, a competitividade brasileira fica cada vez mais ameaçada ou por vizinhos como o México ou por países emergentes com dinâmicas plataformas exportadoras, como a China", observa o ex-presidente do BC.

A entrada da Venezuela no Mercosul, evidentemente, não ajuda. Com a companhia de Hugo Chávez, é difícil acreditar que as negociações da Alca, por exemplo, possam ser retomadas. O antiamericanismo do presidente venezuelano e seus cacoetes autoritários, embora encontrem guarida em alguns setores do governo, já incomodam o presidente Lula (no lançamento do PAC, registre-se, o líder brasileiro, sem dar nomes aos bois, o que foi uma pena, procurou diferenciar o Brasil dos vizinhos bolivarianos e da China).

Mesmo a União Européia, lembra Langoni, não teria interesse em negociar com a Venezuela, que, sob Chávez, impõe restrições ao capital estrangeiro. Além disso, complicam-se ainda mais as negociações da OMC, uma vez que o governo venezuelano já avisou que se opõe à abertura de seu mercado agrícola.

É difícil ver vantagens, para o Brasil, na adesão da Venezuela ao Mercosul. "Na realidade, a entrada da Venezuela, sem uma negociação técnica prévia, foi estimulada pela Argentina como forma de contrapor o peso e a influência do Brasil", observa Langoni. Como se sabe, depois do calote de 2001, o crédito internacional se fechou para a Argentina. Quem socorreu o país vizinho foi ele, Hugo Chávez, que, com os dólares de sua economia baseada no petróleo, ordenou a compra de papéis argentinos.

O interesse da Argentina em incluir a Venezuela no bloco para diminuir a força do Brasil é apenas uma mostra de como os sócios do Mercosul vêem a liderança brasileira. Nos últimos anos, isso ficou ainda mais claro quando o Brasil, ávido por conquistar espaço nos organismos multilaterais, não teve o apoio do Mercosul para seus principais pleitos - um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a Secretaria-Geral da OMC. Os vizinhos não nos ajudaram nem na eleição para a presidência do BID.

-------------------------------------------------------------------------------- Bloco atrasa integração da economia brasileira --------------------------------------------------------------------------------

Como disse o embaixador Marcos Azambuja, em memorável conferência realizada há alguns meses, "uma suposta liderança brasileira gera não pequeno ressentimento e desconfiança". "Basta deixar que os fatos da nossa geografia, demografia e poder agro-industrial, científico e tecnológico falem por si mesmos", recomendou ele.

O Brasil aposta no Mercosul porque confere ao bloco uma importância estratégica que vai além do comércio. O propósito brasileiro é político, de exercício de liderança, com vistas a tornar-se uma potência, mesmo que regional. "É essa lógica que explica a preocupação em ampliar o Mercosul abrindo espaço para novos atores, em especial a Venezuela, a Bolívia e, eventualmente, Equador. A contrapartida, entretanto, é aumentar as assimetrias entre as diversas economias que compõem o grupo não só no que diz respeito à escala (casos de Uruguai e Paraguai) mas também em relação aos níveis de desenvolvimento (o exemplo da Bolívia)", argumenta Langoni.

Às assimetrias econômicas, devem ser somadas as de caráter ideológico. Venezuela, Bolívia e Equador estão enveredando pelo caminho da estatização, isto sem falar nos arroubos intervencionistas do presidente argentino Néstor Kirchner. Mesmo o Brasil de Lula, cheio de ideólogos saudosos do nacional-desenvolvimentismo de outrora, não converge com as propostas dos líderes desses quatro países. A crise do Mercosul, portanto, é "existencial", como sugere Langoni. Há mais divergências do que convergências.

"Não se pode descartar a hipótese de uma implosão, cujo fato objetivo seria a decisão de países como Uruguai e Paraguai estabelecerem acordos individuais com os Estados Unidos", adverte o economista. "O desafio brasileiro é encontrar uma saída honrosa para o impasse atual que pode colocar em xeque nossas ambições de liderança regional. Uma opção é acelerar a ampliação do bloco, com a inclusão plena do Chile - um contrapeso liberal à estatização venezuelana -, assim como assegurar a participação de outros países andinos como Peru e Colômbia."

Antes que algum "mercoufanista", o oposto do "mercocético" contra o qual se queixou o chanceler Celso Amorim na última reunião de cúpula do Mercosul, enalteça a expansão das exportações brasileiras para os vizinhos, explique-se: ela reflete a retomada do crescimento dos países da região e não a conquista de avanços institucionais.

Cristiano Romero é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras