Título: França e Alemanha divergem sobre apoio ao crescimento na UE
Autor: Boston, William
Fonte: Valor Econômico, 22/05/2012, Internacional, p. A13

Em reunião em Berlim ontem, França e Alemanha não fizeram nenhum progresso na direção de um acordo para reativar o crescimento econômico na zona do euro. Com isso, está armado o palco para um possível conflito entre líderes da União Europeia na cúpula informal do bloco ainda esta semana.

A dobradinha franco-alemã começou a desandar desde que o socialista François Hollande foi eleito presidente da França, tirando do posto Nicolas Sarkozy, maior aliado da premiê alemã Angela Merkel.

Hollande ameaça não ratificar o pacto fiscal que prevê maior coordenação do orçamento de membros da zona do euro - principal ingrediente do receituário de Merkel para resolver a crise de dívida no bloco. Agora, Paris ameaça rechaçar outro acordo selado entre Merkel e Sarkozy. É que Hollande quer reinserir na pauta a emissão de títulos conjuntos de dívida europeia, ideia descartada por Sarkozy diante da férrea oposição alemã.

A impressão geral era que Hollande, assim como seu antecessor, logo cederia à pressão de Merkel. Mas o líder socialista está se mostrando mais teimoso do que esperado na campanha para fazer a Alemanha abrir os cofres e contribuir mais para ressuscitar a moribunda economia dos países na periferia do bloco. No processo, o francês parece estar apostando na própria capacidade de dividir a turma de líderes europeus que se reúne na quarta - no que, supostamente, seria um jantar informal para fazer pressão sobre a Alemanha.

No centro da disputa agora parece estar a emissão de títulos comuns pelo bloco, uma forma de permitir que o resto da europa pegue carona na alta classificação de crédito da Alemanha.

A Alemanha é contra, argumentando que isso tiraria de lideranças políticas na zona do euro a pressão para promover reformas na economia e no mercado, pois o eurobônus derrubaria os juros de países mais débeis sem antes obrigá-los a enxugar o orçamento e reduzir a dívida. Para Berlim, o eurobônus só seria uma opção depois que membros da zona do euro tivessem derrubado a dívida e reformado as respectivas economias.

Mas o novo governo em Paris não quer esperar. A França é, hoje, uma das vozes mais fortes pela emissão de eurobônus na Europa. Para Paris, isso permitiria à Europa levantar fundos para financiar projetos geradores de emprego - o tipo de programa que Hollande prometeu ao eleitorado francês durante a campanha. Paris também acha que títulos de dívida comuns reduziriam a especulação no mercado em torno de certos países da zona do euro, pois o bloco como um todo garantiria a dívida.

A questão surgiu inesperadamente e ganhou papel central na primeira reunião oficial entre Pierre Moscovici, o novo ministro das Finanças francês, e seu colega alemão, Wolfgang Schäuble, que ocorreu ontem. Ao que parece, o único acordo entre os dois foi que não há acordo: a bola foi lançada de volta aos líderes europeus, que se reúnem em Bruxelas na quarta-feira para preparar uma cúpula sobre o crescimento para junho.

"Falamos sobre o assunto e cada um confirmou uma posição que já é conhecida", disse Moscovici a jornalistas sobre a conversa com Schäuble a respeito dos eurobônus. O francês acrescentou que a questão seria discutida pelos dirigentes do bloco na quarta. "Para nós, é uma boa ideia. Obviamente, não há como obrigar alguém a aceitá-la, mas temos de discutir a questão".

O apelo de títulos comuns a todos os países do bloco é que sua emissão criaria um grande mercado de dívida, aumentando a liquidez e dando mais garantias contra eventuais calotes - pois a dívida teria o aval de todos os 17 países da zona do euro. O resultado é que os juros pagos por países da periferia do bloco, hoje elevados, provavelmente cairiam. Ao mesmo tempo, as taxas pagas pelos países mais sólidos do grupo, sobretudo a Alemanha, subiriam, elevando o custo da dívida.

A Alemanha já disse que isso significaria que os países mais disciplinados do bloco, em termos de orçamento e política econômica, seriam punidos pelas faltas dos demais.

Países europeus que sofrem com as medidas de austeridade defendidas pela Alemanha para resolver a crise da dívida aplaudem a campanha francesa pela criação de eurobônus. A Grécia, que não conseguiu eleger um governo de maioria no início do mês, caminha para um novo pleito, agora em junho, que poderia decidir de uma vez por todas se o país fica ou não na zona do euro. Atenas luta sob o peso de uma imensa dívida, enquanto a extrema-esquerda ameaça ignorar pactos feitos com a "troika": a comissão composta de dirigentes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI. Membros do governo anterior sustentam agora que a emissão de eurobônus derrubaria o custo da rolagem da dívida para a Grécia e permitiria que o país seguisse com o euro.

"O eurobônus é e sempre foi uma boa ideia, se [o objetivo] for garantir fundos com custo menor e melhores condições do que [o plano de perdão da dívida] e o contrato de empréstimo", disse Evangelos Venizelos, cabeça do partido socialista grego e ex-ministro das Finanças do país.

Na semana passada, durante a reunião do G-8 nos Estados Unidos, a Alemanha sentiu enorme pressão para reverter sua posição sobre os eurobônus. O presidente americano, Barack Obama, e o colega francês uniram forças para pressionar Merkel a se empenhar mais pelo crescimento na Europa.

Certos líderes, como o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disseram que a desavença em torno dos eurobônus tirava a atenção do problema maior diante de governos da zona do euro, que seria a rolagem da dívida prestes a vencer, não a emissão de títulos de dívida no longo prazo. Segundo declarações de autoridades espanholas à imprensa nos intervalos da cúpula de líderes da Otan em Chicago, no domingo, Rajoy quer que o Banco Central Europeu (BCE) continue a comprar títulos de dívida da zona do euro para sustentar nações debilitadas. "Nossa esperança é receber um sinal inequívoco de apoio a títulos da zona do euro da parte do BCE", disse um funcionário do governo espanhol.

A pressão na cúpula do G-8 provocou rejeição ainda maior da ideia na Alemanha, onde altos aliados de Merkel deram entrevistas a emissoras de rádio e televisão para rebater a ideia e conclamar o resto da Europa a fazer o dever de casa, fiscalmente falando. Merkel não se cansa de reiterar que o pacto fiscal, um pacote de medidas para conter a dívida e derrubar déficits orçamentários, é o remédio que a zona do euro precisa para lançar as bases para o crescimento econômico. Essa é a mensagem que seus aliados na Alemanha martelaram sem parar na esteira do G-8.

"Sempre dissemos que, como um primeiro passo, precisamos de solidez nas finanças europeias. Esse é o pacto fiscal", afirmou Steffen Kampeter, alto funcionário do Ministério das Finanças alemão e aliado de Merkel, à rádio alemã Deutschlandfunk. Segundo ele, a emissão de eurobônus agora seria "uma receita na hora errada, com os efeitos colaterais errados".

(Colaboraram Jonathan House e Nektaria Stamouli)