Título: EUA gastam 12 vezes mais que Brasil em subsídios
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2007, Brasil, p. A4

O governo americano gasta 12 vezes mais que o Brasil em subsídios para os agricultores. O dispêndio da União Européia chega a ser 50 vezes maior que o brasileiro. Em 2004, último dado disponível, o Brasil direcionou US$ 1,5 bilhão para subsídios à produção agrícola que distorcem o comércio . No mesmo período, os EUA gastaram US$ 18,6 bilhões, e os europeus, 58 bilhões de euros , o equivalente a US$ 75,8 bilhões, conforme estimativas do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

É com base nesses números que representantes do agronegócio e da agricultura familiar - em um de seus raros momentos de trégua- argumentam que a pressão dos EUA para que o Brasil também reduza seus subsídios agrícolas não tem cabimento. A exigência americana faz parte das barganhas da negociação da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio.

"O agronegócio brasileiro é competitivo sem subsídio", diz Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio exterior da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil. "O nível de subsídios do Brasil é infinitamente menor que dos EUA", diz Marcos Jank, presidente do Icone, que é financiado por grandes associações agrícolas. "Não temos vergonha de dizer que há subsídios para a agricultura familiar. E a legitimidade do Brasil para fazer isso é total", diz Laudemir Müller, chefe da assessoria internacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Uma radiografia dos subsídios agrícolas concedidos pelo Brasil demonstra que uma parte significativa do bolo é destinada à renegociação da dívidas dos pequenos e também dos grandes agricultores. Em 2004, o Brasil gastou US$ 850 milhões com esse objetivo, segundo dados do Ministério da Agricultura. O país aplicou mais US$ 279 milhões em políticas de garantia de preços e instrumentos de comercialização, como os contratos de opção e prêmios de escoamento da produção. No jargão da OMC, esses dois tipos de subsídios são considerados de "caixa amarela", ou seja, distorcem o comércio.

Outros US$ 394 milhões foram gastos com subsídios ao crédito e ao investimento. Estão nesse grupo os empréstimos feitos pelo governo para investimento na área rural com taxas de juros menores que as praticadas no mercado. O programa mais bem sucedido desse tipo é o Modermaq, que financia a aquisição de tratores e colheitadeiras. Também fazem parte dessa categoria o crédito à produção do pequeno agricultor, caso do Pronaf, que absorveu US$ 96 milhões. Esses subsídios também distorcem o comércio, mas os acordos da OMC garantem aos países em desenvolvimento o direito de concedê-los sem qualquer limite.

Dessa forma, os subsídios brasileiros que afetam o comércio internacional chegam a US$ 1,5 bilhão. Em 2004, o país também investiu outros US$ 896 milhões em programas de pesquisa, defesa sanitária, reforma agrária, educação rural, entre outros itens - o que elevaria o total de subsídios para US$ 2,4 bilhões. Mas, pelas regras da OMC, esses gastos não distorcem o comércio e, por isso, não entram na barganha da OMC.

O agronegócio e a agricultura familiar divergem sobre a disposição do Brasil de manter seus subsídios à agricultura. "O interesse exportador do Brasil é muito maior do que as políticas agrícolas, que são anacrônicas", diz Jank, do Icone. "Mecanismos de garantia de preço mínimo são práticas que o Brasil combate lá fora", completa. Müller, do Desenvolvimento Agrário, diz que não está preocupado com acesso a mercado, mas com a manutenção das políticas de apoio à agricultura familiar. Ele defende que o Brasil inclua alguns produtos como "especiais" para manter as proteções tarifárias. "Não adianta manter as políticas de crédito e baixar as tarifas", diz.