Título: Governo discute ajuda a quem for afetado por Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2007, Brasil, p. A4

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, sinalizou ontem que o governo começou a discutir mecanismos para ajudar setores da indústria nacional que serão afetados pela redução de tarifas de importação que sair da Rodada Doha. "Dirigir financiamentos para certas áreas que serão afetadas é mais do que justo." Ressalvou que "não é para perpetuar atividades não competitivas e sim para facilitar a adaptação dos setores vulneráveis".

Otimista com as perspectivas de avanço na negociação global, ele disse o tema de ajuda chegou a ser tratado no governo, que "deve ter" os mecanismos, mas que não houve até agora nenhuma reunião formal de ministros. "E isso não depende de mim, sou ministro das Relações Exteriores", comentou.

O BNDES já dispõe de mecanismos para esse tipo de operação, compatíveis com as regras da OMC. O Brasil só terá problemas se oferecer ajuda para ajustes condicionada a desempenho exportador da empresa ou exigir um percentual de compra de insumos nacionais, porque são proibidos pelo xerife do comércio mundial.

Mesmo sem uma decisão formal no governo sobre o tema, o Itamaraty já iniciou as discussões com representantes da indústria. Em reunião no dia 10 de janeiro, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o subsecretário de assuntos econômicos do ministério, Roberto Azevedo, conversou com os empresários sobre a adoção de políticas setoriais que compensem a abertura comercial da Rodada Doha.

Segundo o diretor-adjunto de comércio exterior da Fiesp, Carlos Cavalcanti, a entidade pediu ao governo duas mudanças macroeconômicas: uma política cambial que favoreça o exportador e detenha a importação e maior empenho na conclusão de acordos bilaterais que beneficiem à indústria. "Se essas reivindicações forem atendidas, precisaremos menos de políticas setoriais", diz.

A Fiesp também está elaborando, a pedido do Itamaraty, medidas técnicas para compensar os setores. Segundo Cavalcanti, a lista de pedidos deve incluir políticas de financiamento, inovação tecnológica e promoção comercial. Ele afirma que a negociação da OMC afetará segmentos dos setores químico, bens de capital, eletroeletrônico, têxtil (confecção) e automotivo. Mas ressalta que a Rodada Doha pode beneficiar os setores celulose, granito, madeira, alimentos processados, entre outros.

Entre os perdedores de Doha, ou seja, os setores do Mercosul que sofrerão maior ajuste por causa da concorrência externa, estão as indústrias de eletrônicos, automóveis, metalurgia , têxteis e vestuários, segundo estudo da Conferencia das Nações Unidas par o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). Segundo a Unctad, em todas as propostas colocadas na mesa de negociação até agora, os países em desenvolvimento enfrentarão proporcionalmente o maior aumento de importações e os maiores ajustes na produção industrial, perda de empregos e maior perda de renda tarifária.

Com as intensas "consultas" que voltaram a ocorrer em Genebra, para salvar a rodada, Brasil, Índia e outros emergentes estão sob pressão dos EUA e União Européia a aceitarem corte real de tarifas de importação industrial. Circulam com insistência os coeficientes 15 e 20 da fórmula suíça (cortar mais as tarifas mais altas) para emergentes. Significa para o Brasil derrubar a alíquota média de 29,8% para algo entre 11% e 12,8%, pelas simulações da Organização Mundial do Comércio.

O ministro Celso Amorim reiterou o "interesse muito forte" do Brasil na conclusão da rodada, mas insistiu que só admitirá redução tarifária "que seja do interesse da indústria" e compatível com o aspecto de desenvolvimento da rodada. A negociação global prevê escapes para a indústria. Não há decisão ainda, mas é provável que um país como o Brasil possa escolher entre duas opções: 10% das linhas tarifas podem ter corte menor que a da fórmula geral, ou 5% das alíquotas simplesmente ficam isentas de redução. Segundo simulações da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), isso significaria 880 itens, ou 13,7% das importações brasileiras. Diversos setores da indústria disputam para ver seus produtos incluídos na lista.

Para Amorim, a evidência é que a indústria nacional e o Mercosul devem se preparar a dar contrapartida a flexibilidades que os parceiros demonstrarem na negociação. Ele lembrou que a Fiesp assinou documento global defendendo uma rodada ambiciosa de liberalização, e acha que "dá para fazer coisas positivas para o Brasil e que sejam justas".

Ele estima que "em alguns casos" os cortes de tarifas de importação serão positivos para a economia, "mas não há razão para dar essas coisas de graça", dependem de concessão por parte dos outros parceiros. Amorim rebate a visão de a indústria vai pagar pelos ganhos da agricultura. "Se as exportações agrícolas aumentam, aumenta a compra de máquinas agrícolas, de produtos químicos. A questão é a proporcionalidade".