Título: O Refis III e as disputas judiciais com o fisco
Autor: Scaff, Fernando Facury
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Legislação & Tributos, p. E2

Em primeiro lugar deve-se explicar aos não-iniciados no direito tributário o que é o Refis. Trata-se de um programa de refinanciamento das dívidas fiscais dos contribuintes para com a Receita Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O primeiro deles, que recebeu o nome de Refis, data do segundo semestre de 2000. Era um programa engenhoso que permitia ao contribuinte pagar suas dívidas com uma percentagem de seu faturamento. Ou seja, o contribuinte dividia seu débito em tantas parcelas quantas coubessem em sua capacidade de pagamento, nunca ultrapassando o percentual de 1,5% do faturamento. Com isso, ele voltava a poder obter certidões negativas de débitos junto aos órgãos fazendários e participar de concorrências públicas, contratar empréstimos bancários etc. Se o fato de ser um percentual do faturamento fazia com que a dívida praticamente se eternizasse, pois não havia horizonte à vista para sua extinção, acarretava uma vantagem, por ser diluída ao longo do tempo, sem um número certo de parcelas a serem pagas.

Notadamente em razão dos graves problemas econômicos pelos quais passava o país nos anos de 2001 e 2002, o Refis fez água, e surgiu então outro programa, chamado de Refis II, mas que oficialmente foi batizado como Paes - programa especial de parcelamento. Sua maior diferença em face do programa anterior era o fato de existirem parcelas mensais fixas, em número não superior a 180 (15 anos). Neste caso, havia um valor determinado a pagar mensalmente, acrescido de juros pela taxa Selic.

Agora surge o Refis III e, por certo o leitor já se familiarizou com as novidades introduzidas pelo novo sistema de parcelamento especial de dívidas fiscais federais aprovado pela Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006. Afinal, a mídia que trata das questões tributárias vêm martelando os ouvidos e os olhos dos interessados desde a edição daquela medida. Portanto, não pretendo repetir o que já é do conhecimento geral: prazo para opção, quantidade de parcelas, redução de encargos etc. Minha intenção é apontar um problema que estava presente no Refis II (Paes) e que não foi corrigido no programa atual. Diz respeito à distinção entre seletividade e universalidade das dívidas fiscais.

O Refis III, na esteira do anterior, estabeleceu por princípio que os contribuintes, para exercerem a adesão ao referido programa, deverão optar por nele incluir todas suas dívidas fiscais, à exceção daquelas que tiverem sido objeto de decisão judicial favorável ao contribuinte ou ainda estiverem em trâmite na fase administrativa. Sequer os processos garantidos por depósito judicial ou por penhora podem ser afastados do arrolamento universal determinado. Nestes, o contribuinte deverá desistir da demanda e recolher o que tiver depositado aos cofres públicos, ficando responsável pelo pagamento de eventual saldo.

-------------------------------------------------------------------------------- O universalismo é prejudicial ao intuito fiscal de pacificar as conturbadas relações entre fisco e contribuinte --------------------------------------------------------------------------------

Portanto, a opção fiscal foi a de determinar a inclusão da universalidade das dívidas existentes no Refis III, e não a da seletividade, através da qual os contribuintes que quisessem aderir ao programa poderiam indicar as dívidas que gostariam de incluir e em quais desejariam manter o risco da disputa judicial.

Este problema é de grande relevância, pois todo empresário sabe que existem processos fiscais onde as chances de êxito são grandes em face de eventuais erros de direito ou de fato cometidos pelo fisco, e existem aqueles onde o risco de perda é mais substancial, provocado por uma alteração da jurisprudência, anteriormente favorável, ou por uma situação onde a prova é difícil de ser produzida. Deste modo, caso adotado o critério da seletividade o contribuinte que desejasse organizar suas finanças poderia arrolar apenas as dívidas fiscais em que seu risco fosse maior, e não todo o rol de ações fiscais que possui.

Outro risco é que existam demandas que o contribuinte sequer conheça - pois ainda não foram formalizadas pelo fisco. E sequer é possível afirmar se elas serão ou não fiscalmente pertinentes, pois não são hoje conhecidas - o prazo decadencial é de cinco anos. Caso o fisco apareça com um auto de infração desta espécie, o contribuinte será sumariamente excluído do Refis III e terá que se defender da totalidade das dívidas parceladas, pois a confissão é seu requisito. Logo, o princípio do universalismo é prejudicial ao intuito fiscal, que é o de pacificar as conturbadas relações processuais entre o fisco e o contribuinte.

Tudo indica que este terceiro parcelamento especial em seis anos terá o mesmo destino dos anteriores: insucesso em face da errônea estruturação jurídico-econômica efetuada. Isso não quer dizer que não existam situações onde este parcelamento seja bem vindo e deva ser implementado. O caso mais patente é o das empresas que possuem dívidas com grandes possibilidades de perda e que necessitem de certidões negativas para sua atividade. Estas são as que certamente lucrarão com a adesão ao Refis III.

Por fim, cabe uma lembrança: é requisito para ingresso no Refis III (bem como nos anteriores) que a empresa esteja em dia com o pagamento dos tributos recolhidos na fonte - imposto de renda e a parte do empregado da contribuição previdenciária. Caso existam débitos desse tipo pendentes de pagamento, o prazo para sua quitação integral é de 30 dias após a opção (ou seja, no máximo até 15 de outubro), sob pena de exclusão sumária do programa.

Fernando Facury Scaff é advogado, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff - Advogados, doutor em direito e professor universitário