Título: Arcelor Brasil quer usar o mercado de capitais para crescer
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Empresas, p. B7

A direção da Arcelor Brasil está confiante de que o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai entender os argumentos apresentados pela Mittal Steel, que se juntou com a européia Arcelor em junho, e tomará uma decisão pela não necessidade de oferta pública de ações aos minoritários da controlada brasileira. "No início a oferta era de aquisição de controle, mas depois de cinco meses de acirrada disputa e quase um de negociações amigáveis, caminhou para uma 'fusão de iguais'", afirma José Armando de Figueiredo Campos, presidente da subsidiária brasileira, listada na Bovespa em dezembro após unir os ativos de Belgo, CST e Vega do Sul. Segundo ele, o desejo do grupo é manter a empresa aberta na bolsa e que o mercado de capitais pode ser uma fonte para futuras aquisições nas Américas, região definida como sua plataforma de crescimento. "Podemos nos diluir, compor com os acionistas e fazer uma oferta em ações, sem usar moeda", afirmou Campos. Ele disse que o grupo já tem cinco a seis alvos bem definidos na região e que a companhia, somando os atuais investimentos em curso no Brasil, planeja aplicar US$ 6,5 bilhões até 2012. "Só com as expansões dos atuais ativos vamos dobrar a capacidade para 20 milhões de toneladas". Lembrou que uma possível oferta pública não afeta esses planos, mas observou que os recursos são finitos. "Pode afetar o cronograma." Contou que Lakshmi Mittal, cuja família passou a deter 43,6% do novo grupo, em sua visita ao Brasil reafirmou que o Brasil faz parte da estratégia de expansão da Arcelor Mittal, com papel importante numa integração com América do Norte, e deu sinal verde para os estudos de criação de uma "nova CST" em Ubú, litoral do Espírito Santo. Um acordo com Vale do Rio Doce e Samarco para nova usina deve ser firmado em 2007. Abaixo, a integra da entrevista.

Valor: Por que o grupo Mittal considera que não deve fazer uma oferta pública de compra de ações aos minoritários da Arcelor Brasil?

José Armando Campos: O entendimento de Mittal e Arcelor decorre do seguinte: na nossa visão não houve mudança de controle do acionista. Esse processo, iniciou lá atrás com uma oferta hostil. Por isso, acho que as pessoas conservaram na memória a idéia dessa primeira oferta, para compra de controle da Arcelor, e pela qual a Mittal Steel deteria mais de 65% do capital e a família Mittal teria mais de 50%. Isso tudo mudou em cinco meses de disputa e mais quase um de negociações. No fim, evoluiu-se de uma oferta hostil para uma situação em que os dois grupos entenderam que não haveria como fazer esse negócio com um acionista predominante. Daí resultou ma operação que, de fato, é uma fusão de iguais, na qual nenhum grupo predomina sobre o outro.

Valor: Isso apenas em termos do capital, mas não na gestão?

Campos Nas duas coisas: gestão e capital. Ainda que um dos grupos que se fundem nesse momento tem maior participação, não se pode entender isso como controle. Pode até vislumbrar uma liderança, mas no processo decisório em si representa uma fusão de iguais. No conselho de 18 membros, o Sr. Lakshmi pode indicar seis. Mudou substancialmente a operação inicial comparada ao seu desfecho.

Valor: Mas o fato de a família Mittal deter 43,6% do capital não dá ao Sr. Lakshmi um papel de controlador do grupo?

Campos De forma alguma. Nenhum dos acionistas anteriores de Mittal Steel e Arcelor, agora e depois da segunda etapa dessa transação, quando Mittal será incorporada por Arcelor, terá mais de 50% do capital. O processo continua e vai até a etapa de incorporação, até meados de 2007. A entidade que sobreviverá será a Arcelor, que mudará de nome para Arcelor Mittal, com sede em Luxemburgo, e com todo o processo de governança ajustado. O papel do Sr. Lakshmi, como presidente do conselho da Arcelor Mittal, é formular sua estratégia. Daí a importância de sua vinda ao Brasil. Todos do conselho de Arcelor conheciam o país.

Valor: Qual é a avaliação do grupo sobre a decisão tomada pela área técnica da CVM?

Campos Respeitamos essa decisão das duas áreas da CVM, mas sabendo que essa avaliação será objeto de uma decisão do colegiado do órgão, que, em última instância, é quem decide.

Valor: Então, vocês confiam em decisão diferente no colegiado?

Campos Sim. Confiamos que a CVM vai analisar mais amplamente todos os aspectos dessa questão e acreditamos que vai expressar o melhor entendimento, considerando todas as perspectivas do negócio. Temos certeza de que vai analisar os argumentos que a Mittal pôs no recurso encaminhado ao órgão. Não conheço todos os argumentos das outras partes, mas análises jurídicas independentes nos dão muita confiança de que a CVM vai se pronunciar pela não obrigação da oferta no Brasil.

Valor: Se a decisão final for pela OPA, a empresa recorrerá à Justiça?

Campos Como já disse outro dia, uma decisão a cada vez. Nesse momento, estamos plenamente confiantes no entendimento da CVM. O recurso da Justiça é válido numa democracia, mas não temos nenhuma decisão a esse respeito.

Valor: Não seria mais amigável com os acionistas acatar a decisão da CVM e, ao mesmo tempo, adotar uma estratégia de convencê-los de que não é melhor vender as ações?

Campos Ao longo da nossa história tivemos comunicação bastante transparente com nossos acionistas e investidores. A empresa tem mostrado suas perspectivas de crescimento, firmeza e determinação na criação de valor para os acionistas. Por isso, da mesma forma que tivemos uma conversão de antigos acionistas de CST e de Belgo-Mineira para Arcelor Brasil, certamente temos campo para uma forte adesão dos acionistas da companhia ao seu projeto de longo prazo. Grande parte dos acionistas está conosco há longo tempo. Não temos uma rotação grande no capital. Acho que estes já estão convencidos neste momento. Creio que apenas alguns "hedge funds" buscam uma via de ganho de curto prazo, o que é natural.

Valor: O que o grupo Arcelor Mittal tem a oferecer aos acionistas no futuro que os possa convencer a não vender as ações de Arcelor Brasil?

Campos De 1997 a 2007, a siderurgia brasileira cresceu em torno de 3% ao ano. Já a Arcelor Brasil, em aços planos, cresceu 7,7% , e no segmento de longos, incluindo a argentina Acindar, 8,3%. É mais que o dobro do setor no país. O que os acionistas da Arcelor Brasil têm a esperar neste momento não é apenas compromisso, é uma prática aderente ao discurso. O crescimento virá basicamente de três fontes. Primeiro, internamente, das próprias operações existentes, com as expansões de Belgo, CST e Vega do Sul. Segundo, no exterior, via aquisições. Nesse ponto, lembro que quando a Arcelor Brasil foi criada tinha como um dos objetivos ser consolidadora regional, além de plataforma de expansão na América Latina e de integração das Américas. Essa consolidação regional é mais importante no negócio de aços longos, onde a indústria é mais fragmentada, com players de pequeno e médio portes.

Valor: O que há de concreto para acontecer pela frente?

Campos Temos projetos para muito em breve. Cinco a seis alvos para aquisições já estão definidos. Alguns em estágio mais avançado; outros menos. O mercado não vai perder a oportunidade de esperar um pouco mais.

Valor: Qual é o terceiro caminho que o senhor queria mencionar?

-------------------------------------------------------------------------------- "O crescimento virá de três fontes: expansões, aquisições na América Latina, sinergias e de uma nova usina da CST" --------------------------------------------------------------------------------

Campos São as sinergias que estamos desenvolvendo nesse processo de integração das três empresas, que já somaram com a criação da empresa US$ 80 milhões no primeiro semestre e devem atingir US$ 220 milhões no ano. Vai além: em aço plano, vamos aproveitar o expertise da Belgo, de longos, para tirar vantagens na cadeia de valor do aço. Ela tem vasta rede de distribuição, que já usamos para produtos planos. Vemos oportunidades de verticalizar um pouco as operações, com centro de serviços.

Valor: Ao visitar autoridades, o BNDES, a Previ e até a CVM o Sr. Lakshmi sinalizou que vai acelerar projetos da Arcelor Brasil?

Campos A visita dele deve ser vista sob vários aspectos. Primeiro, celebrar a parceria com a Vale do Rio Doce, de quem, como Arcelor Mittal, é hoje o maior cliente, com compra de 55 milhões de toneladas de minério por ano, que representam em torno de US$ 2,6 bilhões. O segundo ponto, é o fato de o Sr. Mittal ter escolhido a Arcelor Brasil para ser a primeira, dentro do conjunto de ativos que eram da Arcelor, para ser visitada. É a expressão da importância que a empresa terá dentro do novo grupo. Além disso, visitar pessoas que representam altas instituições brasileiras, como o governador capixaba, os ministros da Fazenda, Desenvolvimento e da Casa Civil e o Presidente da República. Queria ouvir deles a perspectiva do desenvolvimento do Brasil e sobre a estabilidade monetária e fiscal. Percepção que queria colher na fonte.

Valor: Ele chegou a afirmar nessas visitas que os investimentos futuros no Brasil seriam afetados caso tivesse de fazer a oferta pública?

Campos Afirmou categoricamente para todos eles que a Arcelor Brasil, por todo seu conjunto de ativos e condições competitivas (qualidade, recursos humanos, gestão, proximidade de matéria-prima e dos grandes mercados), tem condições de ser um dos braços mais relevantes de crescimento do grupo Arcelor Mittal no mundo. Disse: "Hoje, somos 110 milhões de toneladas, mas nossa meta é chegar a 150 milhões ou 200 milhões, o tamanho que vejo para três grupos no máximo em alguns anos. E queremos continuar na liderança. Mas isso vai ser impossível sem crescer além do nível atual e isso não pode ser alcançado sem crescer no Brasil". Mais que intenção, conhecendo sua pessoa, que tanto lutou para fundir-se com a Arcelor, mostrou determinação de fazer o grupo crescer a partir do Brasil. E assegurou o plano de sair da produção de 11 milhões para 20 milhões de toneladas até 2012.

Valor: Esse plano pode ser acelerado ou depende do mercado?

Campos Nossa estratégia é fazer do Brasil uma plataforma de exportação, usando principalmente aço semi-acabado (placas). Uma idéia é aproveitar a obsolescência de instalações siderúrgicas, em especial na América do Norte. Com a fusão, o horizonte de Arcelor Brasil expandiu-se, e a principal área é o mercado norte-americano, onde a Mittal Steel detém boa parte da capacidade de produção e do acesso a mercado. Nesse sentido, pertencer ao novo grupo é um facilitador. Tudo aquilo que outros grupos querem ter, uma cabeça de ponte nos EUA, nós já temos agora. Não vamos ter de sair comprando laminações aqui e acolá. O novo grupo tem nos EUA o maior conjunto de ativos siderúrgicos em aços planos hoje, mas a produção está limitada. Como disse o Sr. Lakshmi em sua visita: "Não posso crescer mais minha capacidade nos EUA; posso, no máximo, manter. E nos países emergentes onde estamos nem todos oferecem potencial de crescimento, vascularização para atingir mercados regionais e ao mesmo tempo ser plataforma de exportação como oferece o Brasil."

Valor: Na viagem, ele tratou também sobre a instalação de uma nova usina da CST em ponta do Ubú, no litoral do Espírito Santo?

Campos Estamos acabando de colocar 7,5 milhões de toneladas de aço na CST, que significam 50% de acréscimo de produção. É o fato do momento e fica pronto no início de 2007. Antes de pensar em Ubú estamos pensando no crescimento do mercado doméstico e não enxergamos nenhum outro player com capacidade de pôr oferta nova de produtos laminados aqui, com a expansão do laminador da CST para até 4,5 milhões de toneladas (hoje faz 2,5 milhões). Isso nos faz pensar em novo aumento da CST no atual site da usina, de 1,5 milhão de toneladas. A idéia é usar esse pólo de gás no Espírito Santo e fazer isso com a instalação de uma aciaria elétrica, a partir de gás e pelotas de ferro.

Valor: E sobre a nova usina?

Campos Com a visão de crescimento que temos, o que falei é pouco e não atinge aquilo que desejamos atingir na área de aços planos. Já vínhamos buscando novas alternativas. A que nos parece melhor é a de Ponta de Ubú, chamado projeto Cação, em analogia ao projeto Tubarão. Ele é a replicação desse modelo CST, que está ao lado de um grande complexo pelotizador, onde pode usar e combinar a infra-estrutura de transporte, tanto para chegada de matérias-primas e insumos quanto para saída de aço. No local já existe um terminal portuário que recebe carvão, site para recepção de matéria-prima das usinas de pelotização da Samarco e no futuro da Vale, a chegada da ferrovia litorânea (da Vale), que é outro fator positivo. Ou seja, todo um conjunto de logística favorável: já temos pessoas se dedicando a estudar a configuração dessa nova usina, conversando com outras pessoas envolvidas com o plano mestre desse complexo. Esperamos em nove meses a um ano anunciar um acordo de entendimento amplo com outros parceiros, como Samarco e Vale. Hoje, há um estudo preliminar bem mais abrangente. Aquela área pode acolher também, em função da produção de gás e petróleo no estado, um complexo petroquímico.

Valor: Seria um pólo siderúrgico na forma de condomínio, com vários grupos investidores do setor?

Campos Não. A idéia de condomínio inibe um projeto mais ousado das siderúrgicas, cujo objetivo é começar com escala mínima de competitividade, maturar o investimento e expandir com o mercado. O modelo é o de replicar a CST, que em 1992 produzia 2,7 milhões de toneladas, que a partir do ano que vem passa para 7,5 milhões. Ou seja, de algo que já cresceu quase três vezes e pode crescer mais.

Valor: Além de BNDES e Previ, o Sr. Mittal chegou a se encontrar com outros acionistas minoritários?

Campos Não, concentrou-se nestes dois. O BNDES, além de ser um acionista importante da Arcelor Brasil, é a grande fonte de fomento no Brasil e que tem sido parceiro da companhia ao longo de todos os anos passados. Estamos para celebrar um novo contrato de financiamento para a expansão em curso da CST. Também porque o banco tem sido um grande estimulador do mercado de capitais no Brasil. Não se resume a ser banco de desenvolvimento. E ainda levar ao banco, da parte de um importante membro do conselho de Arcelor Mittal, a visão de que é importante para a empresa, com as ambições que tem de crescer, ter o mercado de capitais como uma das fontes de financiamento.

Valor: É tão fundamental para uma empresa controlada por um grupo tão grande ter o mercado de capitais como base de sustentação do seu crescimento? Não se trata de problema de falta de recursos...

Campos Não é uma condição sine qua non, necessária. Mas é uma condição desejável, uma fonte de financiamento adicional, pela qual se pode diluir um pouco para uma determinada aquisição. Não estou dizendo que é esse o objetivo principal, mas dá mais flexibilidade. Posso compor com os atuais acionistas, emitir novas ações para captar recursos e posso adquirir outras empresas sem usar moedas. Outra coisa, no caso de obrigatoriedade de oferta pública - os recursos são finitos. Inviabilizar os investimentos, não acredito. Mas pode ter impacto no cronograma dos nossos planos, o que não seria desejável. A Arcelor, na época controladora, concordou e achou importante ter uma empresa de capital aberto no Brasil. Externa boa governança e compartilha com a sociedade seus resultados.

Valor: Na área de aços longos, como estão os projetos?

Campos São expressivos, porque vimos o mercado doméstico com bastante potencial, apesar de que hoje é comparado a 2002. Esse segmento é puxado pela construção civil ou por produtos do setor automotivo e itens especiais para a indústria de bens de capital, dos quais somos, em algumas de nossas unidades, fornecedores por excelência. A duplicação da usina de Monlevade é o projeto que está na ponta, com duplicação de sua capacidade para 2,4 milhões de toneladas. Mas, obviamente, dependo mercado. Acabamos de adicionar a nova capacidade da usina de Piracicaba (SP), que dobrou para 1 milhão de toneladas. O mercado brasileiro cresce em torno de 500 mil por ano. Temos hoje a capacidade mais avançada para o futuro, tanto em aços longos quanto em planos, com crescimento de aço e laminados na CST, da Vega do Sul, com mais aço galvanizado para automóveis. E a Belgo tem ainda as usina de Vitória (ES) e Juiz de Fora.