Título: Calote grego afetaria dívida com países
Autor: Dalton, Matthew
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2012, Internacional, p. A13

O debate sobre o papel da Grécia na zona do euro tem ofuscado um fato importante: muitas das medidas dolorosas do resgate do país já foram completadas.

Isso influi na maneira como as autoridades da zona do euro respondem à revolta contra o resgate na Grécia. Depois de dois árduos anos de negociações, austeridade e crescimento estagnado, por que a zona do euro se arriscaria no caos que seria criado pela saída da Grécia do euro, se o governo grego não segue o programa de resgate como prometeu?

A tarefa mais difícil que sobrou é a dívida grega ainda a pagar, cujos credores são cada vez mais os governos do bloco. A política oficial da Europa é que a Grécia tem que pagar de volta a sua dívida como previsto no programa de resgate. Afinal, a Grécia e seus credores privados acabaram de passar meses negociando uma troca de dívida que reduziu a menos da metade o valor dos títulos da dívida grega. Isso não foi suficiente?

Os mercados acham que não. Os juros de títulos de dez anos da Grécia subiram 18% logo depois da troca de dívida de março. Juros assim refletem risco de moratória.

Não é difícil enxergar a razão. O resgate presume que a Grécia terá uma dívida igual a 120% do Produto Interno Bruto em 2020, ainda bastante alta. E muitos economistas acreditam que as estimativas feitas pela troica Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu no segundo pacote de resgate - por exemplo, de que a economia da Grécia se contrairia só 4,7% neste ano - são otimistas demais.

"Pegue a previsão [das três instituições] para o PIB grego com um pé bem atrás, porque a economia está em queda livre", disse Simon Tilford, economista do Centro para a Reforma Europeia, em Londres. O PIB da Grécia caiu 6,2% no primeiro trimestre, informou nesta semana a agência de estatísticas do país.

Se o crescimento continuar aquém das expectativas, a dívida da Grécia em 2020 não estará muito mais baixa do que hoje.

"Terá que haver abatimentos nos empréstimos feitos para a Grécia pelos governos da zona do euro", disse Tilford.

Outro corte na taxa de juros desses empréstimos, avaliados em cerca de € 52,9 bilhões (US$ 67,3 bilhões), poderia ser um primeiro passo, disse uma autoridade da zona do euro envolvida nas discussões.

A maioria dos analistas e investidores concorda que a dívida remanescente da Grécia não será paga integralmente, quer a Grécia fique na união monetária ou não.

Mas perdoar mais ainda a dívida da Grécia não seria recompensar o mau comportamento? Depende de como se vê a questão. A Grécia deixou de cumprir muitas metas de orçamento, mas, nos últimos dois anos, o governo cortou seu déficit primário - o déficit orçamentário excluindo pagamento de juros - de 10,6% do PIB, em 2009, para 2,2% em 2011.

Isso foi uma carga tremenda de austeridade levada a cabo num momento em que as condições econômicas tornavam cortes no déficit especialmente difíceis. O déficit primário da Grécia é hoje menor que o de vários outros países da zona do euro, como França, Holanda, Espanha e Luxemburgo.

A Grécia agora precisa bem menos dos seus credores para pagar aposentadorias, salários dos servidores públicos e as operações do dia a dia do governo. A maior parte dos empréstimos da zona do euro e do FMI, em vez de pagar as despesas do governo, vai servir agora para pagar juros da dívida remanescente, a qual passará cada vez mais para as mãos da própria zona do euro.

São necessários mais cortes e reformas, principalmente para melhorar a competitividade da Grécia, mas o que foi feito é significativo, dada a precariedade do orçamento da Grécia quando o resgate começou. Mais abatimentos na dívida poderiam ser uma recompensa dada pela zona do euro à Grécia pelo trabalho duro, mais ou menos bem feito.

Mas, se a zona do euro insistir que a Grécia deve seguir as regras do resgate, o saldo primário relativamente pequeno do governo torna mais viável a vida fora do bloco. A Grécia ficaria inadimplente na sua dívida e adotaria sua própria moeda, com os gastos e as receitas do governo mais ou menos alinhados.

Embora ainda se tratasse de um passo doloroso para a Grécia, poderia ser ainda pior para o resto da zona do euro.

"O contágio para o resto da zona do euro seria então muito grave", disse Tilford. "Está claro, pelo que vimos na Espanha e nos preços de ativos por todo o sul [da Europa] na última semana, que o risco de contágio é evidente."

Podem ser necessários resgates para Espanha e Itália, e eles superariam em muito o custo de manter a Grécia na zona do euro, além do risco de fraturar a união monetária. Isso tornaria a pressão que os políticos da zona do euro estão fazendo sobre o público grego bem menos atraente.