Título: Trâmite da Lei do Gás deve ser agilizado
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Especial, p. B9

Depois que o atual governo boliviano evidenciou a vulnerabilidade do Brasil no abastecimento de gás natural, a partir do Decreto de Nacionalização 28701, de maio, tudo indica que a tramitação do projeto de lei 226-05, já batizado como "Lei do Gás", será agilizada. O projeto, de autoria do senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), passou pela Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) e pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) - onde eliminou outros dois projetos sobre o assunto. Está, desde fim de agosto, na Comissão de Serviços de Infra-estrutura.

O andamento das avaliações e votações da matéria já dura mais de um ano. Mas há um acordo entre as lideranças para que, logo após as eleições, seja constituída uma comissão mista que possibilite a tramitação acelerada. A idéia é que, em curto prazo, o projeto se transforme na lei que irá preencher lacunas regulatórias urgentes que, atualmente, limitam a expansão da exploração e produção do gás natural em solo brasileiro.

Sem trazer nenhuma regra para exploração ou produção de gás natural, a Lei do Gás propõe uma mudança nas atuais regras para o transporte do local de produção até o chamado city-gate, a partir de onde as distribuidoras levam o produto até os consumidores.

Regulado atualmente pela Lei do Petróleo (Lei 9.478, de 1997), o transporte do gás por gasodutos (de propriedade da Transpetro, subsidiária da Petrobras) pode ser feito por companhias privadas apenas por meio de contratos de autorização, firmados com a Transpetro. A Lei do Gás propõe que o regime jurídico para a operação do transporte seja substituído pelo da concessão. E institui o regime de tarifas pela prestação dos serviços de transporte e de armazenagem de gás natural.

Para viabilizar o acesso às reservas, as empresas privadas dependem do transporte por gasoduto, já que na forma natural gasosa (o liqüefeito exige processamento complexo, ainda incipiente no Brasil), o gás natural não admite outra forma de transporte que não seja gasoduto.

Ao modificar a forma de relacionamento com o poder público de autorização para concessão, a lei tranqüiliza a iniciativa privada potencialmente investidora no setor, incentivando, assim, a exploração e produção do gás.

"Essa lei não é uma panacéia, mas dará a segurança de um marco regulatório aos potenciais investidores, especialmente importante diante dos últimos acontecimentos na Bolívia", analisa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE). Segundo ele, com regras claras, o Brasil pode até atrair empresas do setor com interesse na Bolívia e que se tornaram inseguras com os atuais acontecimentos políticos naquele país.

"Precisamos da segurança de que teremos acesso ao gás natural de forma justa, e o contrato por autorização não oferece a transparência que queremos", afirma Antônio Assumpção, vice-presidente para gás da Shell do Brasil. Segundo analisa, não adianta haver mecanismos para explorar e produzir se a questão do transporte não estiver normatizada de forma clara. Ele acredita, ainda, que as questões sobre exploração e produção do gás natural estão, de maneira geral, contempladas na Lei do Petróleo. Por isso, Assumpção saúda a Lei do Gás como um marco regulatório essencial para disciplinar o assunto. "Temos interesse em ampliar investimentos no gás natural brasileiro, e a legislação em debate merece nossos aplausos."

A Shell do Brasil foi pioneira na produção de gás no Brasil, com base nos famosos contratos de risco, firmados na década de 70. "A Shell teve o único contrato de risco bem-sucedido, nas reservas de Merluza (Bacia de Santos/SP), chegando à produção de 6 milhões de m3/dia", conta Assumpção. Atualmente, a empresa produz 400 mil m3/dia, a partir de reservas de Bijupirá e Salema (Bacia de Campos/RJ), em contratos efetuados há cerca de cinco anos. O gás produzido é associado com o petróleo, como 77% do gás natural produzido no Brasil, e é vendido totalmente para a Petrobras.

Além da Shell, outras companhias interessadas em expandir os investimentos no setor são o BG Group, da britânica British Gas (acionista majoritária da Comgás) e a americana El Paso. Atuando no setor de energia no Brasil, a El Paso tem interesse no gás da bacia de Camamu/BA e Santos/SP, cujas reservas foram estimadas em mais de 12 milhões de m3.

Para José Renato Ponte, diretor de assuntos corporativos da BG Group, uma lei para regular o setor deve apresentar dispositivos para assegurar o livre acesso à infra-estrutura de transporte, ou seja, aos gasodutos. "A regulamentação deve permitir a concorrência nos segmentos de produção e comercialização de gás natural, respeitando as legislações estaduais, que regulamentam o setor de distribuição."

As expectativas da BG incluem "a adoção de uma Lei do Gás que assegure a concorrência e estimule os investimentos, trazendo para o gás natural resultados semelhantes aos que a lei 9478/97 propiciou para o petróleo.", diz o executivo

Considerado até agora cativo da Petrobras, exatamente devido à falta de regras para o transporte, o mercado de gás natural tende a crescer. Em 1981, a participação do gás natural na matriz energética brasileira era de 0,9%. Em 2004, essa participação atingiu 8,9%. A intenção da Petrobras é que esse percentual chegue a 12% em 2010, com um consumo estimado de 100 milhões de m3/dia. E a empresa já anunciou planos para investir US$ 16 bilhões para aumentar a oferta e a capacidade de transporte do produto.

"Há uma tendência mundial de uso de fontes de energia limpas e de busca de outras fontes alternativas de energia que diminuam a dependência em relação ao petróleo importado e aumentem a confiabilidade e a segurança na oferta de energia", diz Adriano Pires.

No entanto, apesar de otimista em relação ao potencial do mercado brasileiro, Pires acredita que a Petrobras precisa vencer algumas resistências em relação à detenção do controle dessa cadeia de negócios. "Houve temores também em relação à flexibilização do mercado de petróleo em 1997, e o tempo comprovou serem todos infundados", analisa.

Segundo Pires, em um mercado de gás natural aberto, a Petrobras só teria a ganhar, na medida em que é uma das melhores empresas mundiais do setor.

Em relatório da própria Petrobras, consta uma participação de mercado na produção de petróleo em 2005 de 98,2%. Sozinha, a empresa perfurou 88% do total de poços de prospecção de óleo. Em parceria com outras empresas, sua participação na perfuração de poços chegou a 92%.