Título: Depósitos judiciais ajudam a forrar o caixa do Tesouro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Brasil, p. A6

Boa parte do que o Tesouro Nacional costuma manter em caixa para fazer frente aos gastos do governo e vencimentos da dívida pública está sendo financiada pela receita dos depósitos judiciais. No fim de janeiro deste ano, dos R$ 193 bilhões mantidos pelo Tesouro em sua conta única no Banco Central, R$ 33,32 bilhões, quase 18%, eram referentes ao dinheiro recolhido em ações judiciais envolvendo tributos da União.

A cifra foi informada pelo governo ao Congresso, no anexo de riscos fiscais do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2007, ainda em tramitação. Desde janeiro, data tomada como referência, o saldo da conta única, que oscila muito, já mudou, chegando a R$ 166 bilhões aproximadamente, no fim de julho. Na hipótese de não terem caído, portanto, os depósitos judiciais já respondem por mais de 20%.

Não há dado recente disponível, mas a possibilidade de ter havido queda é remota. Desde que passaram a compor as disponibilidades de caixa do Tesouro, em fins de 1998, os depósitos envolvendo litígio em torno de tributos federais só crescem. Em 2005, por exemplo, enquanto os novos recolhimentos alcançaram R$ 6,18 bilhões, os valores devolvidos aos contribuintes somaram apenas R$ 682 milhões.

Adotada num contexto de ajuste fiscal, a transferência desses recursos para a conta única foi determinada pela Medida Provisória 1.712, aprovada e transformada na Lei 9.703, ainda no ano de 1998. De tudo o que foi recolhido em todos esses anos em função da lei, só R$ 4,038 bilhões tiveram de ser devolvidos pelo Tesouro aos depositantes.

Teoricamente, a Procuradoria da Fazenda Nacional, a quem cabe defender o fisco, sempre pode perder as disputas judiciais em última instância e, por isso, o valor dos depósitos é considerado na avaliação de riscos fiscais informada todos os anos ao Congresso. Esse é mais um dos chamados passivos contingentes da União, ou seja, valores que, em tese, podem virar dívida.

Também são consideradas passivos contingentes as demandas judiciais envolvendo cobrança de valores contra órgãos da administração federal e empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional, incluindo aí aquelas em processo de liquidação. São demandas vindas, entre outros, do setor sucroalcooleiro, de servidores públicos, de companhias aéreas, de anistiados políticos, do setor de saúde e de beneficiários da Previdência.

A quantificação dos riscos fiscais representados por essas demandas é difícil, segundo o governo, sobretudo no caso da administração direta, autarquias e fundações. "Em se tratando de demandas judiciais, nem sempre é possível estimar com clareza o montante devido em relação a futuras ou eventuais condenações, para verificação de passivos contingentes para o ano de 2007 (...). Parte considerável das ações em trâmite perante os tribunais está pendente de julgamento final (...) As decisões desfavoráveis à União podem sofrer alteração, em razão dos entendimentos jurisprudenciais serem passíveis de sofrer modificações", justifica o documento encaminhado ao Congresso.

Outro fator que dificulta a quantificação dos passivos, para efeitos orçamentários, é a imprevisibilidade do tempo de tramitação de cada processo, que pode durar vários anos.

Já as empresas estatais dependentes do Tesouro calculam em R$ 707,2 bilhões o possível impacto de decisões judiciais desfavoráveis, só em 2007. A maior parte disso, R$ 472,6 milhões, refere-se a ações contra a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Há ações de natureza trabalhista, previdenciária e cível.

Outro grupo de passivos contigentes é o das empresas e órgãos em processo de extinção ou liquidação. O maior é o da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que tem provisionados em balanço R$ 5,39 bilhões para fazer frente a eventuais perdas decorrentes de decisão judicial. O extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) calcula o seu em R$ 170 milhões.

Classificados em outro grupo, os passivos referentes a dívidas em processo de reconhecimento pelo Tesouro Nacional são estimados em mais de R$ 85 bilhões. A maior parte disso, perto de R$ 73 bilhões, refere-se a obrigações do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) perante o sistema bancário. Também estão nessa conta obrigações decorrentes, por exemplo, de subsídios ao setor agrícola.

O FCVS foi o mecanismo pelo qual o governo subsidiou antigos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), inclusive de classe média, ao expurgar parte da correção das prestações em diversos planos econômicos até a década de 80. Essa dívida está sendo reconhecida aos poucos. Para securitizá-la, em 2007, o Tesouro planeja emitir R$ 13 bilhões, valor semelhante ao de anos anteriores e igual ao programado para 2008 e 2009.

Serão emitidos ainda R$ 3 bilhões para reconhecimento de dívidas diretas da União e de órgãos federais já extintos. No total, o reconhecimento de "esqueletos" está orçado em R$ 16 bilhões para 2007, em R$ 14,3 bilhões para 2008 e em R$ 13,3 bilhões para 2009.

Diferente dos relativos a ações judiciais, esses R$ 85 bilhões são considerados passivos certos e que, portanto, precisam ser objeto de emissão de papéis do Tesouro Nacional e de incorporação paulatina às estatísticas da dívida pública, na medida em que essas colocações de título ocorrerem.

Outra classe de passivos contingentes inclui garantias e contra-garantias de R$ 80,2 bilhões prestadas pela União a empresas estatais, Estados e municípios. O montante caiu 36,7% em relação ao ano anterior, principalmente devido a um ajuste referente a Itaipu Binacional. O governo estima que o risco de inadimplência é nulo nesses casos. Tanto que, ao longo de 2005, a União não foi chamada a honrar garantias inscritas no anexo de riscos fiscais da LDO. (MI)