Título: Em Rondônia, eleitor passa ao largo dos escândalos
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Política, p. A10

Bombardeados por uma onda de denúncias de corrupção que envolveram o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público, a maioria dos eleitores de Rondônia deve colocar em segundo plano a questão ética no momento de votar, em 1° de outubro. O prognóstico de lideranças políticas que não foram acusadas é que, no mínimo, um terço dos envolvidos conseguirá um novo mandato. Não se descarta que até metade pode vir a se eleger.

Os sinais de indiferença do eleitorado são mais abundantes que os de mobilização. Os estudantes de direito da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), promoveram no dia 31 de agosto um debate de duas horas com o candidato do PMDB ao governo estadual, o senador Amir Lando (RO), relator da CPI dos sanguessugas no Senado e apoiado por alguns dos denunciados no plano local. Inicialmente fizeram perguntas restritas à saúde, segurança e educação e depois o debate abriu para questões de interesse geral. Não houve qualquer comentário sobre as suspeitas que pesam contra o governador, três deputados federais, e todos os 24 deputados estaduais. O tema é tratado de forma discreta no horário eleitoral. Dos 44 candidatos à Assembléia que participaram do programa do dia 31, somente dezesseis aludiram à corrupção. No horário dos candidatos a governador, somente um nanico folclórico, Edgar do Boi (PSDC), se referiu ao assunto.

Na sociedade, quem mais ousou foi o bispo católico de Ji-Paraná, dom Antonio Possamai, que tentou divulgar um manifesto relacionando o governador Ivo Cassol com os 23 deputados estaduais denunciados no escândalo da montagem de uma folha paralela de pagamentos que desviava R$ 1 milhão por mês da Assembléia. Mas o próprio bispo reconhece o alcance limitado da reação. " Nossa sociedade está desmobilizada. Em sua maioria é formada por um povo trabalhador que já foi sobejamente explorado pelo Brasil afora. E o Estado caiu nas mãos de aventureiros que, com poucas exceções, se apoderaram do poder para proveito próprio. O desencanto tomou conta de muitos", afirmou, em entrevista por correio eletrônico: "Temo que diversos serão reeleitos. Manejam muito bem a arte de comprar votos sem serem denunciados".

"Não há clima para tratar esta questão ética aqui no Estado", confirma o pemedebista Lando. "Fizemos pesquisas que mostraram como prioridade saúde e segurança. A questão ética não aparece. As carências são enormes. Há pouco espaço para um espírito coletivo", diz o senador, que enfrentaria dificuldades políticas internas caso transformasse o tema em prioridade: o apóiam acusados pela CPI dos Sanguessugas, como o deputado Agnaldo Muniz (PP) e pelo esquema de folha paralela da Assembléia, como a deputada estadual Ellen Ruth (PP).

O processo de migração intensa, que faz com que dois em cada três dos 1,3 milhão de habitantes de Rondônia tenha nascido fora do Estado - e a perda de rumo econômico são duas explicações possíveis para apatia. "Aqui viveu-se o ciclo da colonização rural, depois veio o garimpo, depois nada. O Estado tinha mais presença aqui no regime militar, quando Rondônia era território federal. Com a emancipação e a redemocratização, houve um aumento das carências", diz o pemedebista. "As pessoas em Rondônia chegam pensando em ir embora. Na classe política vigora a lei do poder econômico traçando o caminho das facilidades", diz o deputado federal Hamilton Casara (PSDB), vice de Lando.

"Há uma tendência das pessoas aqui em botar todos no mesmo balaio. Sem agressão no meu caso, mas com indiferença", diz a candidata do PT a governadora, Fátima Cleide (RO). Entre os aliados da petista, está um dos envolvidos no escândalo, o deputado estadual Nereu Klosinsky, e políticos de origem polêmica, como o prefeito de Ariquemes, Confúcio Moura (PMDB), irmão de Nobel Moura, cassado por venda de mandato em 1993 e condenado por homicídio. "Aqui é muito difícil fazer alianças. Mas é preciso", diz a petista.

Dos 52 municípios do Estado, o horário eleitoral só é captado nos grandes centros. Porto Velho, a capital , com distâncias internas de 500 quilômetros, concentra 27% do eleitorado. A pulverização do povoamento fez de Rondônia um arquipélago. "Ninguém faz campanha no Estado inteiro, todo voto é local. Eu faço campanha em 22 cidades", diz por exemplo Mauro Nazif (PSB), um médico que disputou o governo estadual em 2002 e deve ser o puxador de votos da sua coligação. A conseqüência é que o principal acusado dos escândalos, o deputado estadual Carlão Oliveira (PSL), deverá ser reeleito, caso consiga derrubar no TSE a impugnação da sua candidatura. Controla a cidade de Alta Floresta do Oeste, que fica fora do eixo da BR-364, a principal artéria do Estado.

Onde há disputa pelo eleitor, a compra de votos é tradicional. Entre os documentos apreendidos pela Polícia Federal na operação "Dominó", está uma lista encontrada na casa de um parlamentar. Nesta lista, há uma relação de pagamentos feitos a eleitores, em espécie, no dia da eleição de 2002. O valor da despesa: R$ 300 mil. Na última semana de agosto, dois candidatos a deputado estadual foram parar na cadeia. Renato Velloso (PPS) que tenta se reeleger, é acusado de distribuir óculos. Miguel do Monte (PP), foi flagrado oferecendo empregos. Disse, em conversa testemunhada por policiais, que um deputado estadual consegue empregar pelo menos mil pessoas.

A classe política se amolda ao perfil de um estado onde as pessoas não criam limo. Uma porta de entrada para o poder é a atuação no funcionalismo público, que garantiu o ingresso de políticos como Fátima Cleide e Amir Lando. Outra são de líderes comunitários , que se tornam vereadores, deputados estaduais ou prefeitos. Lá ao invés do empresário se tornar um político, é o político que se torna empresário. "A política em Rondônia é vista como uma escada para enriquecer", comenta a senadora. E o eleitor como instrumento disso. Nas últimas eleições, uma candidata foi flagrada oferecendo a tampa da panela de pressão na campanha e o resto, quando apurados os votos. Perdeu a eleição.