Título: Crise começou com o descontrole de gastos
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Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Política, p. A10

O descontrole dos gastos públicos está na gênese da crise política que abala Rondônia. Entre 2002 e 2005, os gastos do poder Judiciário passaram de 6,3% para 9,2% da receita do Estado, quando o limite estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é de 6%. Na rota de colisão com o governo estadual, a Assembléia Legislativa viu sua participação decrescer de 6,74% para 3,75%, ainda acima dos 3% estipulados pela LRF. No Ministério Público, a participação saltou de 2,3% para 3,4%, quando o limite legal é 2%. E esta escalada se deu em um contexto onde a base aumentou: a receita de Rondônia subiu de R$ 1,5 bi para R$ 2,5 bi em quatro anos. "Está comprovado que a LRF não é cumprida em Rondônia desde 2001", diz o superintendente da Polícia Federal no Estado, Joaquim Cláudio Mesquita.

A luta entre os poderes por maiores fatias da receita do Estado estabeleceu as relações de cooperação denunciadas na "Operação Dominó", que levou à cadeia em 7 de agosto o presidente do Tribunal de Justiça, Sebastião Teixeira e o presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos, ou "Carlão" Oliveira, entre outras autoridades e assessores. Segundo a denúncia construída pela Polícia Federal, para obter favores como o desbloqueio dos seus bens e o impedimento da cassação de um prefeito aliado, Carlão negociou a derrubada de um veto do governador a um aumento da verba para o Poder Judiciário. A denúncia foi acatada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um julgamento de dez horas, onde só foi recusada a acusação de que o Legislativo e o Judiciário haviam formado uma quadrilha para desviar dinheiro público e assegurar a impunidade. Segundo o STJ, "Carlão" e Teixeira estabeleceram negociações suspeitas, mas não formaram um bando. Com o prosseguimento das investigações, o rol dos acusados poderá ser ampliado. "As investigações levantam suspeitas sobre membros do Tribunal Regional Eleitoral, Procuradoria e Executivo", comenta Joaquim Cláudio.

O descontrole na Assembléia Legislativa está documentado em três esquemas: o de compras internas, o da concessão de passagens aéreas e, acima de tudo, o da construção de uma folha de pagamentos paralela para assessores, muito dos quais fantasmas, que envolveu 23 dos 24 deputados estaduais. Excluiu apenas Néri Firigolo (PT), que foi incluindo no recebimento ilegal de passagens. Só no gabinete da presidência estavam lotados 756 funcionários. A Polícia Federal estima que R$ 50 milhões foram desviados. Mas os investigadores afirmam que, pelo resultado da Operação Dominó, não se prova a penetração do crime organizado na política do Estado. "Não foram encontrados indícios de crimes de pistolagem ou narcotráfico no contexto das investigações", afirma Joaquim Cláudio. "O grande problema de Rondônia hoje não são as atividades criminosas clássicas, mas a dilapidação do patrimônio público", afirma o coordenador de operações de fronteira da PF, Mauro Sposito.

A onda de denúncias deixa o governador Ivo Cassol (PPS) em uma situação paradoxal: favorito para ser o primeiro governador de Rondônia reeleito, Cassol assumiria o segundo mandato com todas as instituições encarregadas de controlar sua administração dizimadas por denúncias de corrupção. Candidato que apresentou a maior declaração de patrimônio pessoal da região Norte, com bens no valor de R$ 23 milhões, Cassol é grande gerador de energia privada e madeireiro, e a primeira personagem no Estado que reuniria ao mesmo tempo o poder político e o econômico. A ameaça ao seu domínio está em Brasília, nas ações que sofre no Superior Tribunal de Justiça e na vigilância da PF.

Com o apoio de apenas três deputados estaduais quando eleito, Cassol perdeu o comando da Assembléia Legislativa para o grupo comandado por "Carlão". A reação de Cassol ao poder Legislativo se divide em dois momentos: o primeiro foi o do embate. Logo após perder a eleição para a presidência da Casa, Cassol foi a Brasília, pedir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a intervenção federal no Estado. A escalada dos conflitos culminou em maio do ano passado, quando o governador evitou o impeachment por meio da ousada manobra que daria origem à operação Dominó: gravou conversas de deputados exigindo-lhe dinheiro e as divulgou no programa "Fantástico", da rede Globo de televisão. Em um segundo momento, Cassol buscou uma composição, ao nomear o presidente da Associação de municípios, Carlos Magno, para a Casa Civil. Com a troca de articulação político, Cassol passa a negociar com a Assembléia a votação do Orçamento, a derrubada dos seus próprios vetos e a nomeação de conselheiros para o Tribunal de Contas do Estado, como mostram as gravações da PF. Antes de ser recolhido á prisão, Magno havia sido o homem escolhido por Cassol para compor como vice a sua chapa para a reeleição.

O governador de Rondônia é um homem que leva seus confrontos ao limite que separa a ousadia da truculência. No dia 28, irrompeu na diocese de Ji-Paraná, onde o bispo católico, dom Antonio Possamai, terminava uma entrevista coletiva sobre o veto da Justiça Eleitoral onde Cassol aparece junto com os 23 deputados estaduais implicados na Operação Dominó, como exemplos de políticos que o eleitor deve evitar. Alterado, o governador proclamou sua inocência, disse que estava processando o bispo, por injúria e difamação, e ameaçou divulgar denúncias contra a Igreja. No dia seguinte, cartas anônimas foram divulgadas na cidade com ameaças de morte a Possamai. Em entrevista por correio eletrônico, Possamai afirmou que há uma ofensiva de Cassol para intimidar as associações que o criticam. Mas admite, em relação à carta: "Por ser anônima decorrem duas conclusões: é ação de pessoa covarde e não posso dizer que é do governador", escreveu.

Contra Ivo Cassol há dois processos no Superior Tribunal de Justiça: foi aceita uma denúncia de montagem de um esquema para que empresas associadas a ele ganhassem licitações municipais durante sua administração como prefeito em Rolim de Moura , entre 1997 e 2002. Cassol também é acusado de ter permitido o contrabando de diamantes na reserva Roosevelt, de índios cinta-larga, palco de um massacre de 29 garimpeiros em 2004, que desencadeou uma operação da PF. Trata-se do único governador a sofrer uma ação penal, autorizada pela Assembléia Legislativa. De acordo com o coordenador de operações de fronteira da PF, Mauro Sposito, a suspeita da participação de Cassol no contrabando teria começado com a prisão de um suposto assessor seu na reserva, que estaria negociando com os índios proteção para a manutenção do garimpo. Cassol têm afirmado que seu nome teria sido usado indevidamente. Em carta encaminhada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades, defendeu-se atacando: "Desde o primeiro ano de meu governo tenho denunciado a exploração e o contrabando ilegal de diamantes na reserva Roosevelt. Tenho contrariado interesses de pessoas poderosas. Essas pessoas, a todo custo, tentam envolver-me na exploração de diamantes, desviando a atenção dos verdadeiros responsáveis. De denunciante, passei a denunciado".

Em relação às licitações, sua situação é mais grave. O plenário do STJ já se pronunciou, aceitando a denúncia contra o governador, apenas recusando seu afastamento imediato. Pela denúncia, o presidente da Comissão de Licitações de Rolim de Moura, os cunhados do hoje governador, seu contador e outras pessoas ligadas a Cassol teriam ganho 56 licitações entre 1998 e 2002, no valor de R$ 7,7 milhões, pela modalidade de convite. Pelo menos um dos envolvidos, Salomão da Silveira, está hoje no governo estadual, também como presidente da Comissão de Licitações. Em sua defesa judicial, Cassol alega que a denúncia é superficial, ao não individualizar culpas. Alega ainda que recorreu à carta convite pela dificuldade de conseguir interessados em fazer obras na cidade, de apenas 50 mil habitantes. O governador foi procurado por este jornal por uma semana, sem conceder a entrevista solicitada.(C.F.)