Título: Temor das urnas favoreceu aprovação de PEC
Autor: Martins ,Daniela
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2012, Política, p. A8

A forte adesão à PEC do trabalho escravo, aprovada pela Câmara dos Deputados com 360 votos a favor e apenas 29 contra com 25 abstenções, surpreendeu os ruralistas. Implacavelmente unida na votação do novo Código Florestal, a bancada ruralista não conseguiu reunir mais que 60 votos na votação da PEC do Trabalho Escravo. A derrota ficou visível após a proposta reunir 360 votos favoráveis - 52 a mais que os necessários - mesmo com a orientação os ruralistas para que seus membros não registrassem presença no plenário.

Como consolo, levaram a promessa de um futuro projeto de lei que aponte a definição do que é trabalho escravo. Os votos contrários ficam muito aquém dos 230 deputados que se estima terem posicionamento favorável às demandas do agronegócio. E os favoráveis superaram em muito os 308 necessários à aprovação de uma proposta que altera a Constituição.

A orientação de todos os líderes partidários foi pela aprovação da proposta e bancadas inteiras presentes à sessão de votação da terça-feira aderiram à PEC, como o PT (75 votos), o PSB (26), PCdoB (13), PV (9), PRB (8) e PSOL (3). O PDT teve apenas 1 voto contra e 1 abstenção, com 23 aderindo à PEC. O PR teve desempenho similar, com 1 contra, 3 abstenções e 21 favoráveis.

No PMDB, considerado próximo dos ruralistas, 7 votaram contra a proposta, 8 se abstiveram e 47 aprovaram a medida. Outra legenda com tendência pró-agronegócio, o PSD, deixou claro o protesto contra a PEC: de 37 deputados, houve 8 abstenções, 7 votos contrários e 22 favoráveis. Na oposição, dos 43 deputados do PSDB presentes, 41 votaram a favor e do Democratas, 5 foram contra, houve 1 abstenção e 14 votaram a favor. Mas o PPS votou na totalidade (10) a favor da medida.

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Moreira Mendes (PSD-RO), afirmou ao Valor que se surpreendeu com o forte resultado favorável à PEC, mas tem clareza na explicação do comportamento dos deputados. Segundo Mendes, o ano eleitoral pesa, já que muitos parlamentares vão concorrer à eleição municipal. Ele aponta também o temor de que o voto contrário pudesse ser entendido pela opinião pública como concordância com o trabalho escravo, enquanto os proprietários rurais, explica, são contra esta exploração e temem abusos da fiscalização.

O viés ideológico mais à esquerda de muitas legendas é outro ingrediente. Ele se absteve na votação e explicou que a orientação para a bancada era o voto contrário ou a abstenção. Questionado se existe trabalho escravo no Brasil, respondeu: "No meu Estado [Rondônia] não existe, nem análogo, mas se procurar no Ministério do Trabalho... É interpretação. Depois chega na Justiça e não dá nada, só paga multa".

O presidente eleito da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Homero Pereira (PSD-MT), afirmou que será necessário criar um projeto de lei que defina com "clareza" o que é trabalho escravo. O parlamentar estimou que a bancada ruralista deve contar com o apoio de cerca de 20 senadores. O novo presidente disse que se um texto que diminua as inseguranças jurídicas do produtores não for produzida pelo Congresso, a PEC do Trabalho Esccravo não será aprovada pelas duas Casas Legislativas. "Vai ficar um pingue-pongue até as duas Casas terem conceito definido", disse.

Homero Pereira também justificou a derrota pelo temor de desgaste de membros da frente por conta da proximidade das eleições municipais. "Muitos acabaram por questões políticas, com as eleições municiais, ou para não macular orientação dos partidos", disse. Além disso, Pereira afirmou que a bancada ruralista preferiu não "tensionar" seus membros já que a proposta ainda teria que ser analisada pelo Senado. "Na questão do Código Florestal, já era votação final. Nessa votação da PEC todos já sabiam que não era terminativa", minimizou.

Fontes ouvidas pelo Valor afirmaram que um acordo feito entre PTB e PT explica a mudança de comportamento na votação. O PT teria aceitado liberar sua bancada na votação da PEC dos Cartórios, criticada por criar um "trem da alegria" ao efetivar em seus cargos tabeliães que não fizeram concurso público e defendida pelo líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO). Em troca, petistas pediram o apoio da sigla na votação da PEC do Trabalho Escravo.

"É uma vitória do país. O Brasil estava se desgastando muito lá fora", afirmou Tatto. O petista disse que a votação do a votação do projeto em primeiro turno na Casa, em 2004, aconteceu sob pressão social: após o assassinato de três fiscais do trabalho e de um motorista da delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais, na Zona Rural de Unaí (MG).

O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), anunciou durante a votação da PEC na terça-feira que estava mantido o acordo com os líderes do Senado de compor uma comissão para elaborar proposta para esclarecer o que é trabalho escravo. No entanto, o líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP), rejeitou a possibilidade de consenso com os ruralistas ou ainda modificações no texto aprovado: "Não temos acordo nenhum".