Título: Farra cambial
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2010, Economia, p. 16

Mesmo com a duplicação do IOF, a entrada de dólares no Brasil continua forte, levando à supervalorização do real. Em oito dias de outubro, o fluxo ficou positivo em US$ 2,1 bilhões. Investidores são atraídos por juros altos

As armas utilizadas pelo governo para conter a farra cambial que tomou conta do mundo têm se mostrado ineficientes. Mesmo com a duplicação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre a entrada de recursos estrangeiros, de 2% para 4%, o Brasil continua a receber uma enxurrada de dólares. Apenas nos oito primeiros dias de outubro, o Banco Central registrou entrada líquida (já descontada a saída de capitais) de US$ 2,18 bilhões. Um forte estímulo para a nova queda da moeda norte-americana, que recuou ontem 0,84% e fechou o dia a R$ 1,652 para venda, o menor valor desde setembro de 2008, antes do agravamento da crise global.

Segundo analistas, os estrangeiros estão fazendo uma operação chamada carry-trade. Como os juros lá fora estão em zero ou próximos disso, os investidores pegam empréstimos e aplicam o dinheiro no Brasil, principalmente em títulos públicos, que pagam 10,75% ao ano. Mesmo com o IOF, o retorno ainda é de 6,75% e o risco de perda é mínimo. O resultado disso é que a entrada de dólares tem sido cada vez maior, supervalorizando o real ante a moeda norte-americana e tirando a competitividade dos exportadores brasileiros.

A avaliação dentro do governo e no mercado é de que, enquanto as nações desenvolvidas continuarem com as políticas relaxadas, as emergentes serão inundadas de dólares. O que assusta a todos é a possibilidade de o Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos, dar novos estímulos à economia local, o que tenderá a derreter ainda mais o dólar. ¿O fluxo cambial da última semana mostrou que o impacto das medidas tomadas pelo governo brasileiro é limitado¿, disse o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. Ele estima que, nos 12 meses até outubro, a entrada líquida de dólares no Brasil chegará a US$ 30,3 bilhões.

Enxurrada Para tentar reverter o pessimismo, o governo fez questão de ressaltar que, na comparação com setembro, após o aumento do IOF, a entrada de dólares no país para aplicação financeira caiu 63%. Faltou dizer, porém, que esse recuo deve ser creditado, exclusivamente, ao processo de capitalização da Petrobras, que atraiu muito capital para o Brasil. Diante disso, a economista-chefe da Link Investimentos, Mariana Costa, foi taxativa. ¿A duplicação do IOF foi um tanto quanto inócua.¿

A enxurrada de dólares não é, contudo, um problema exclusivo do Brasil. A expectativa é de que as economias em desenvolvimento recebam, entre 2010 e 2011, pelo menos US$ 800 bilhões devido à onda de redução de juros no mundo rico. Para Mariana, um dos principais alvos de todo esse dinheiro será o Brasil, devido às altas taxas de juros praticadas aqui. ¿O país será um destino muito interessante para os investidores enquanto os juros nas economias avançadas continuarem tão baixos¿, ressaltou.

Importados Na visão dos especialistas, o país precisa baixar urgentemente a taxa básica de juros (Selic) sem que, com isso, gere inflação. Para equilibrar os preços e, ao mesmo tempo, colocar o custo do dinheiro em um nível que não atraia as operações de carry-trade, o governo precisa parar de pressionar a inflação com seus gastos excessivos.

Segundo o economista-chefe da Modal Asset, Felipe Tâmega, a supervalorização do real fará com que o país tenha, neste ano, o Natal dos importados ¿ o que complicará ainda mais a situação das contas externas. Na avaliação de Tâmega, o debate que se está travando no mundo em torno do câmbio é apenas uma preparação para que os mercados e as sociedades aceitem medidas de maior controle cambial.