Título: Proteção para agricultura é inegociável, diz ministro indiano
Autor: Landim, Raquel e Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Brasil, p. A3

O ministro de Comércio e Indústria da Índia, Kamal Nath, endureceu o discurso e afirmou que proteção para os mercados agrícolas dos países pobres é "inegociável" por uma "questão de sobrevivência". "Produtos especiais não são comércio, subsídio é comércio", ponderou Nath em entrevista ao Valor.

Com uma enorme população rural que vive da agricultura de subsistência, os indianos lideram um grupo de países pobres que exige uma lista de produtos especiais, que receberiam tratamento mais brando na Rodada Doha, além da possibilidade de utilizar salvaguardas. O tema está no centro do impasse das negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC) e desagrada grandes exportadores agrícolas de Estados Unidos, Argentina e Brasil.

Nath também adota uma posição defensiva nas negociações industriais. E, apesar de ter grandes ambições em serviços, já que a Índia é uma potência na área de tecnologia de informação, o ministro indiano não aceita fazer concessões em agricultura em troca de benefícios nessa área.

Em julho, quando as negociações foram suspensas, o ministro indiano disse que a rodada estava entre a UTI e o crematório. Depois de participar ontem, no Rio de Janeiro, da primeira reunião de ministros após o impasse, Nath se mostrou mais otimista. "Pelo menos agora há esperança. As negociações estão saindo da UTI em direção à cama do hospital", disse.

Deputado pela província de Chhindwara, um distrito tribal com grande quantidade de florestas tropicais, Nath é um político experiente. Eleito pela primeira vez para o Congresso em 1980, foi reeleito seis vezes. Antes de ocupar a pasta do Comércio, que assumiu em 2004, também foi ministro das Florestas e do Meio Ambiente.

Valor: Em julho, o sr. disse que a Rodada Doha estava entre a UTI e o crematório. Após esta reunião, mantém a mesma opinião?

Kamal Nath: Agora temos uma melhora. Há alguma esperança. As negociações estão recomeçando. Não caminham para o crematório. Estão saindo da UTI em direção à cama do hospital. Acho que a iniciativa do Brasil de organizar este encontro foi muito útil, porque ajuda a compreender quais são as flexibilidades e as inflexibilidades. Não podemos forçar em questões de subsistência, de segurança. Podemos negociar agricultura, mas não sobrevivência. Pelo menos agora, teremos algumas discussões técnicas.

Valor: Produtos especiais e salvaguardas são uma questão de sobrevivência? O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, disse que esse tema deve ser solucionado antes de retomar as negociações...

Nath: Sobrevivência não é negociável. O que eu entendi do que o Lamy disse é que, entre muitos outros, esse é um tema que deve ser discutido. Também temos de discutir a caixa azul (subsídios menos distorcivos ao comércio). Todas essas questões são importantes em relação ao apoio doméstico. Não podemos esquecer que são os subsídios que distorcem o comércio. Produtos especiais não são comércio, subsídio é comércio. Essa é a estrutura do comércio que deve ser considerada.

Valor: Esses mecanismos devem neutralizar a abertura do mercado agrícola dos países em desenvolvimento ou aumentar a proteção em alguns casos?

Nath: Já existe um mercado aberto. O objetivo dos produtos especiais é que não ocorra uma abertura adicional. Não podemos permitir mais importações. É isso que os produtos especiais são. Não estamos falando de bloquear o acesso a mercado, mas de assegurar que acesso a mercado adicional não signifique expulsar agricultores.

Valor: Esse tema divide o G-20? Índia e Indonésia estão de um lado, enquanto Brasil, Argentina, Uruguai ficam de outro?

Nath: Não existe divisão no G-20. Este é um grupo diverso, com interesses diversos. A diversidade é o que dá ao grupo credibilidade.

Valor: A Índia tem alguma flexibilidade para negociar na questão dos produtos especiais?

Nath: Temos de analisar os produtos. Tudo depende da quantidade de subsídio que cada produto recebe. Se os Estados Unidos colocarem 45% de seus subsídios no algodão, esse é um produto sensível. Se não houver subsídio no algodão, não será um produto sensível. A sensibilidade do produto depende da quantidade de subsídios.

Valor: Brasil e Argentina resistentes muito em abrir seu mercado industrial. Qual é a posição da Índia? O país pode ser mais ofensivo?

Nath: Estamos trabalhando junto com Brasil e Argentina. A posição da Índia é a igual a brasileira e a argentina. A negociação de produtos não-agrícolas (Nama) não pode desindustrializar a indústria nascente de nossos países. Os países desenvolvidos protegeram sua indústria por 50 anos. Temos de proteger a pequena e nova indústria dos países em desenvolvimento.

Valor: As negociações do setor de serviços praticamente não avançaram. Essa negociação é importante para a Índia?

Nath: É importante, porque 53% do PIB indiano vem de serviços. As negociações desse tema são importantes, mas cada país tem sua própria percepção de serviços, dependendo do tamanho e do tipo da sua força de trabalho. Estamos esperando um bom pacote em serviços, que inclua livre trânsito de trabalhadores e prestação de serviços sem fronteiras.

Valor: Se os países desenvolvidos concordarem com acesso livre para os trabalhadores, a Índia pode oferecer mais em agricultura e indústria?

Nath: Se eles nos derem algo nesse tema, podemos oferecer algo em serviços também. Mas serviços não é necessariamente uma compensação para agricultura.

Valor: Qual sua expectativa sobre a visita do primeiro-ministro da Índia, Manmohan Sing, ao Brasil esta semana?

Nath: Esperamos um bom engajamento entre Brasil e Índia. Os dois países têm complementaridades e sinergia, que podem ajudar esses países a conseguirem o melhor um do outro.

Valor: Os dois países são complementares ou competidores?

Nath: Complementares. Eles podem ser competidores, mas há complementaridade suficiente para que ambos ganhem. A Índia é forte em tecnologia da informação, farmacêutico, têxtil. O Brasil é forte em agricultura. E assim por diante. (RL e FG)