Título: Negociadores divergem sobre saída para o impasse
Autor: Landim, Raquel e Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Brasil, p. A3

No primeiro encontro após o fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC) em julho, os ministros de países desenvolvidos e em desenvolvimento deixaram claro ontem, no Rio, que seguem sobre a mesa todas as divergências que levaram à suspensão das negociações. Organizada pelo Brasil, a reunião do G-20, grupo de países que pedem o fim dos subsídios agrícolas, reuniu também representantes de Estados Unidos, União Européia e Japão. O encontro evidenciou a vontade política dos países em retomar as negociações, mas sem dizer como.

Presente à reunião, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, disse que a suspensão das negociações foi um "sério acidente" e indicou que o futuro de Doha depende em grande medida dos países em desenvolvimento reunidos no G-20. Ele afirmou que esses países terão que fazer um trabalho técnico em agricultura, sobretudo em produtos especiais, antes que a negociação possa ser retomada. Uma lista de produtos especiais dos países pobres receberá um tratamento mais brando na Rodada.

O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, rebateu o argumento de Lamy dizendo que o trabalho técnico sobre produtos especiais em agricultura é importante, mas que só isso não destravará a rodada. "Acreditamos que o apoio doméstico (subsídios à agricultura dados pelos países desenvolvidos) não é o único ponto, mas provavelmente é a primeira coisa que temos de avançar no processo", disse Amorim.

Os ministros se desentenderam durante a coletiva de imprensa sobre os dois temas centrais do impasse: a resistência dos EUA em melhorar sua proposta de redução dos subsídios pagos aos grandes fazendeiros do país e a proteção à agricultura familiar dos países em desenvolvimento defendida pela Índia.

Lamy evitou atribuir a suspensão das negociações à falta de flexibilidade dos Estados Unidos pela em função de suas eleições legislativas em novembro. A representante comercial dos EUA, Susan Schwab, negou qualquer influência do resultado do pleito na Rodada. "As eleições americanas não vão mudar a posição do governo em ver um resultado equilibrado, robusto e forte em Doha", disse.

União Européia, Brasil e Índia refutam essa tese e responsabilizam a pouca margem de manobra dos EUA pelo impasse. "Para ser honesto parece tão pateticamente óbvio para mim", disse Mandelson durante a coletiva de imprensa. "Os agricultores tem votos e fazem seus cheques para a campanha. Um democrata ou um republicano se comportar de forma que não leve em conta esse fator político seria surpreendente", completou.

Questionado sobre por que as duas maiores economias emergentes do planeta, Índia e China, pedem proteção para sua agricultura, o ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath, foi categórico: "Temos uma grande economia e também 300 milhões de pessoas ganhando menos de US$ 1 por dia. Estamos falando de comércio justo e não só de comércio de livre".

Os ministros estavam de acordo em pelo menos um tema durante a reunião do Rio: o tempo urge. Os países desenvolvidos e em desenvolvimento chegaram a um consenso de que existe uma "janela de oportunidade" para retomar a Rodada entre novembro desse ano e março de 2007. Se mais essa oportunidade for perdida, a crise da Rodada e do sistema multilateral de comércio se aprofundará.

O calendário da OMC está hoje diretamente ligado ao ambiente político interno dos Estados Unidos. Dificilmente as negociações podem ser "ressuscitadas" antes das eleições em novembro. Por outro lado, é necessário tomar as decisões políticas mais importantes antes de março de 2007. A partir dessa época, o Congresso dos EUA começará a reescrever a nova Lei Agrícola americana. E, em junho, expira a Trade Promotion Authority (TPA), autorização para do Congresso para que o Executivo conduza as negociações.

Para Amorim, a reunião do G-20 no Rio mandou uma mensagem clara: ninguém deseja que a rodada fracasse e todos os países estão dispostos a fazer esforços para que ela seja retomada. Lamy considera que os diferentes grupos na OMC devem responder a três perguntas: se, como e quando as negociações multilaterais serão retomadas.

Lamy diz disse que todos os países presentes ao Rio responderam sim à primeira pergunta. Ele reconheceu que a segunda questão, sobre como retomar a negociação, é mais difícil. "Teríamos que partir do ponto em que paramos e fazer um trabalho técnico em agricultura incluindo produtos especiais", afirmou. "Já o recomeço das negociações tem que amadurecer. Isso significa que a janela de oportunidade será o momento em que recomeçarmos politicamente até março de 2007".

A declaração do G-20, aprovada no sábado, foi endossada por União Européia, Japão e, com um pouco mais de reserva, pelos Estados Unidos. O texto conclamou o diretor-geral da OMC a intensificar o processo de consultas entre os países-membros para a pronta retomada das negociações. A declaração também critica os países desenvolvidos porque suas posições atuais não oferecem base para a conclusão bem-sucedida das negociações.

Lamy pretende ouvir os chefes de cada grupo de negociação em Genebra. Outras oportunidades para discutir o tema serão a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) em Cingapura este mês e o encontro do Grupo de Cairns, que reúne os exportadores agrícolas, em outubro. Amorim previu discussões técnicas em Genebra para que o G-20 consiga obter uma posição única em produtos especiais. Também participaram das discussões, outros grupos de países pobres como o G-33 e o grupo dos 4 do algodão.

Os ministros enfatizaram que esta é a Rodada do Desenvolvimento. Segundo Amorim, o que está em jogo não é só comércio. "Se não conseguirmos um resultado na OMC, como vamos conseguir preservar a ordem internacional quando se trata de terrorismo, proliferação nuclear, contrabando e crime organizado", questionou.

Durante o encontro, foram realizadas também diversas reuniões bilaterais entre os ministros. Amorim reuniu-se separadamente com Mandelson, Schwab e o ministro de Agricultura, Florestas e Pesca do Japão, Shoichi Nagakawa. Com a representante americana, Amorim, entre outros temas, tratou do contencioso do algodão movido pelo Brasil contra os EUA. Em entrevista, Schwab reconheceu que a disputa deve prosseguir em Genebra. "O Brasil disse que levará o contencioso do algodão adiante. Mas o Brasil vai ganhar? Não necessariamente", desafiou.