Título: Parceria Venezuela-Irã é mais política que econômica
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Internacional, p. A11

Em matéria de diplomacia e troca de apoio político e retórico, eles já mostraram ser parceiros afinados. Mas quando se trata de economia, a aproximação entre Venezuela e Irã produziu até agora resultados tímidos.

O símbolo mais visível dos laços bilaterais é a fábrica de tratores VenIran, inaugurada em Ciudad Bolívar em março de 2005, quando o Irã ainda era governado pelo moderado Mohammad Khatami. É a primeira empresa iraniana na Venezuela. Sua participação no mercado local, porém, é apenas marginal e a marca é vista com resistência por produtores rurais, que dizem preferir os tratores importados do Brasil.

Unidos por um discurso antiamericano, os presidentes Hugo Chávez e Mahmud Ahmadinejad vêm aprofundando as relações entre seus países. Chávez apóia o criticado programa nuclear iraniano, e Teerã apóia o candidatura da Venezuela a uma vaga rotativa no Conselho de Segurança da ONU. Os dois países buscam se contrapor à Arábia Saudita na Opep, apesar de não terem força para isso. Defendem a cotação do petróleo em euro, mas a proposta ainda não saiu do papel; para o Irã, a mudança poderia fazer sentido, para a Venezuela, que vende a maior parte de seu petróleo para os EUA, não.

Os resultados de tanta afinidade são, por enquanto, somente planos, projetos. Teerã disse que poderia investir até US$ 4 bilhões no setor petrolífero da Venezuela, na produção de petróleo bruto e gás natural. Também está em pauta a produção de moradias com tecnologia iraniana na Venezuela, a construção de uma fábrica de produtos lácteos, de autopeças e uma de farinha de rosca.

"Não sei qual o total de investimentos do governo e de empresas privadas do Irã na Venezuela. Mas por parte do governo são entre US$ 200 milhões e US$ 400 milhões. São US$ 500 milhões nos projetos que estão em marcha", disse ao Valor o segundo-secretário da Embaixada do Irã em Caracas, Hojatollah Soltani. Essas cifras, porém, não aparecem no balanço oficial de investimentos na Venezuela, que registra só uns US$ 100 mil vindos do Irã nos últimos anos.

Se confirmados, esse valores representariam um salto grande. Em 2005, a Venezuela recebeu apenas US$ 915 milhões em investimentos estrangeiros diretos. Os maiores investidores foram os EUA (40,3%), seguidos por Japão (5,5%) e Espanha (3,3%), segundo a Superintendência de Investimentos Estrangeiros, no Ministério da Indústria e Comércio da Venezuela. Recursos vindos das Ilhas Cayman responderam por 43,7% do total.

"O peso do Irã na nossa economia é absolutamente insignificante. Esse é um tema político, para mostrar aos EUA, para Chávez se mostrar como líder do Terceiro Mundo. Para a economia, é insignificante", diz Luis Vicente León, sócio-diretor do instituto venezuelano de pesquisas econômicas Datanalisis. "Há um fluxo [de projetos de investimentos] que o governo estimula basicamente para dar consistência à sua relação política. Mas, na macroeconomia venezuela, isso não pode ser considerado como importante", acrescenta.

Quinto maior exportador de petróleo no mundo, a Venezuela importa cerca de 60% dos alimentos, medicamentos, roupas, eletrônicos e outros itens. Os EUA continuam tendo peso substancial na economia local, apesar do relacionamento pouco amistoso mantido entre os governos do presidente George W. Bush e de Chávez.

Ao procurar criar ou intensificar parcerias comerciais e de investimentos com China, Oriente Médio, África e a própria América do Sul, Chávez tenta justamente diminuir essa dependência em relação aos EUA. "É uma política que segue um pouco o modelo brasileiro atual e menos o modelo mexicano, que tem entre 80% e 90% de seu comércio com os EUA", diz o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), o venezuelano Rafael Villa. No caso da aproximação com o Irã, ele diz que "há um lado comercial, pragmático, mas também política ideológica de afastamento dos EUA".

O resultado dessa mistura é controverso. Os tratores da VenIran, montados na Venezuela com peças fabricadas no Irã, dispõem de tecnologia inferior aos importados do Brasil, por exemplo, segundo Gustavo Moreno, presidente da Fedeagro, confederação de 70 associações e cooperativas agrícolas da Venezuela. "Até agora os venezuelanos estão trabalhando com tratores que nos dão garantia, principalmente os do Brasil", disse ao Valor. Moreno afirma que a entidade vê com certa estranheza planos da Venezuela de negócios com o Irã. "Agora que a Venezuela é membro do Mercosul, não entendemos por que foi se aproximar do Irã. Com o Mercosul pode haver a possibilidade de adquirirmos mais equipamentos do Brasil."

Segundo ele "a participação dos tratores iranianos é muito marginal". Eles são vistos em algumas propriedades oficiais e nos aeroportos. "É muito folclore."

A VenIran é a única fábrica de tratores da Venezuela, segundo uma porta-voz da empresa ouvida pelo Valor. A empresa não informa, no entanto, qual sua produção atual, seu faturamento, sua participação no mercado venezuelano nem se possui projetos de expansão. O site da empresa diz que a capacidade instalada permite produzir 5 mil unidades por ano. São três os modelos em produção.

Segundo a porta-voz, o objetivo da empresa é produzir tratores com preço acessível a produtores rurais venezuelanos cuja renda não permite comprar um modelo importado. Graças à parceria com o Irã, o governo diz estar ajudando a promover uma "revolução agrícola" na Venezuela. Em novembro, os primeiros 500 tratores foram entregues a membros de cooperativas e agricultores do país. Em julho, os tratores voltaram a ter um papel "revolucionário". Não na Venezuela, mas na Bolívia, onde 50 unidades foram entregues pelo governo a camponeses. "A revolução agrária terá um pontapé inicial com a entrega de 50 tratores venezuelanos", disse o governo de Evo Morales num comunicado.

Pode não funcionar bem para a agricultura, mas parece ser um bom elemento de propaganda.