Título: Regulamentação dos créditos estatais à exportação
Autor: Wielewicki, Luís
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2006, Opinião, p. A12

A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) recentemente melhorou a nota de crédito atribuída ao Brasil. Os maiores beneficiados são os importadores de bens de capital, que terão reduzidos os custos financeiros em empréstimos a serem celebrados com as chamadas ECA (do inglês, "agências de créditos à exportação").

As ECA são instituições estatais que geralmente provêem financiamentos, garantias e seguros de crédito a exportadores locais ou importadores estrangeiros, os chamados "créditos à exportação". A primeira ECA foi criada na Inglaterra após a Primeira Guerra Mundial, como medida para fomentar as exportações de parques industriais ociosos com a redução de demanda no pós-guerra.

As ECA ainda são uma importante ferramenta de política industrial. Praticamente todo país industrializado conta hoje ao menos com uma ECA para a promoção de suas exportações. A última "onda" de novas ECA surgiu no Leste Europeu, logo após a queda dos regimes comunistas. A competição entre ECA e as atividades dessas instituições tornaram-se mais complexas, sendo comum a adoção de estruturas de financiamentos de projetos e de parcerias público-privadas.

Dentre as maiores ECA, estão o Export-Import Bank, dos EUA, o japonês Japan Bank for International Cooperation (JBIC) e o alemão KfW, cujas operações relacionadas a créditos a exportações serão desempenhadas por uma subsidiária especializada, o KfW IPEX-Bank. Dentre os países em desenvolvimento, destaca-se o Export-Import Bank of China, criado em 1994 e hoje com espantoso volume de operações. Outro exemplo importante é o indiano Export-Import Bank of India, fruto da cisão das atividades relacionadas a créditos a exportações, então exercidas pelo banco de desenvolvimento industrial daquele país. Na América Latina, pode-se mencionar o mexicano Banco Nacional de Comercio Exterior.

Ao contrário do que se observa em alguns países, o Brasil não possui uma instituição estatal voltada exclusivamente à celebração de créditos à exportação. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) desempenha funções dessa natureza, assim como o Banco do Brasil, na qualidade de gestor do Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Em se tratando de seguros de crédito à exportação, a Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE) também pode ser considerada uma ECA, apesar de não estar sob controle estatal majoritário. O órgão responsável por coordenar as políticas relativas a créditos estatais à exportação no Brasil é o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportação (Cofig).

Constata-se uma sensível ampliação das atividades de ECA em países em desenvolvimento, principalmente China e Índia. Ao mesmo tempo, o volume de operações de algumas ECA de países da OCDE tem permanecido constante ou até mesmo declinado. De certa forma, esse quadro espelha a maior relevância do setor de serviços destas economias e a firme disposição de aqueles países situarem-se entre os maiores agentes industriais da economia mundial.

-------------------------------------------------------------------------------- É importante obter certo equilíbrio na competição por novos mercados, assegurando as vantagens comparativas brasileiras --------------------------------------------------------------------------------

Mas, afinal, qual é a relação entre a redução do risco do Brasil pela OCDE, benéfica a importadores de bens de capital, e o espaço de ampliação de políticas industriais brasileiras por meio de ECA? Ambas as matérias são hoje regulamentadas por um "acordo de cavalheiros" internacional, o chamado "Acordo sobre Créditos Estatais à Exportação", celebrado pela maioria dos membros da OCDE. Trata-se de um acordo minucioso que conta com dispositivos sobre taxas de juros mínimas (a CIRR), uma metodologia de aferição de risco financeiro e até mesmo normas aplicáveis a créditos à exportação de setores específicos, tais como o aeronáutico e o de construção naval. Também há regulamentação sobre construção de usinas nucleares e de projetos energéticos que utilizem recursos renováveis. Destacam-se, ainda, as regras sobre financiamento de projetos e ajuda governamental ao exterior condicionada à importação de bens ou serviços locais (tied aid).

Por ser referido no tratado sobre subsídios da Organização Mundial de Comércio (OMC), alguns dispositivos do acordo da OCDE vêm servindo de pano de fundo a disputas no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, mesmo em relação a países que não sejam signatários daquele instrumento, como o Brasil. Um importante exemplo são os casos entre Brasil e Canadá que trataram de créditos à exportação celebrados pela Embraer e pela Bombardier.

É importante mencionar que houve na OCDE até mesmo uma proposta de um acordo sobre créditos à exportação de produtos agrícolas, datada de novembro de 2000. Essa discussão é de grande interesse para o Brasil por disciplinar limites à concessão de subsídios à exportação daqueles bens. É verdade que a matéria não avançou na OCDE. Deslocou-se para a OMC. Mas, com a suspensão da Rodada Doha, é razoável questionar se a OCDE voltaria a se tornar um dos foros de negociação.

Novas matérias relativas a créditos à exportação já foram concluídas ou estão em estágios de negociação bastante avançados na OCDE. Destacam-se as medidas anti-corrupção, já aprovadas, e a disciplina de requisitos ambientais mínimos aplicáveis a projetos financiados por ECA. Ainda que essas regras não tenham repercussão na OMC, essas medidas atingem os importadores brasileiros que venham a contratar com ECA de países signatários daquele acordo.

Fora do âmbito da OCDE, é ainda necessário discutir regras específicas para pautar o nível de subsídios outorgados pelas ECA dos próprios países em desenvolvimento. É importante que se obtenha certo equilíbrio na competição por novos mercados, de modo a assegurar as vantagens comparativas brasileiras.

O Brasil já foi convidado e vem participando ativamente das reuniões do acordo setorial de créditos à exportação de aeronaves. Trata-se, sem dúvida, de um importante avanço. Mas ainda há muito a ser feito dada a relevância do assunto a importadores e exportadores locais. O Brasil deve coordenar-se com outros países em desenvolvimento tendo como objetivos negociar um acordo sobre créditos à exportação com esses países e estender, a países em desenvolvimento, as negociações dos demais temas tratados na OCDE.

Luís A. G. Wielewicki é mestre (LL.M.) em direito pela Columbia University, doutor em direito internacional pela USP e advogado em Nova York do escritório Chadbourne & Parke LLP. E-mail: lwielewicki@chadbourne.com.