Título: Invasão do Congresso eleva tensão política no Equador
Autor: AI
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2007, Internacional, p. A11

Centenas de manifestantes simpáticos ao presidente do Equador, Rafael Correa, invadiram o Congresso para protestar contra a resistência dos deputados em convocar uma Assembléia Constituinte. A polícia foi chamada para evitar a ocupação e houve confronto, com cenas de pessoas jogando pedras e garrafas em meio a fumaça de gás lacrimogêneo. Os deputados foram retirados apressadamente do prédio, sob a alegação de que a ordem não poderia ser mantida.

Não houve feridos graves, mas alguns deputados se mostraram bastante preocupados. "Eles estavam gritando: 'matem todos'. Tivemos de deixar o prédio para não sermos atacados", disse Federico Perez, deputado do Prian, partido oposicionista de direita.

O ato marca o fim de uma semana de trégua entre o governo e a oposição. Desde que Guadalupe Larriva, a ministra da Defesa do país, morreu num acidente de helicóptero, as discussões e manifestações em relação à convocação de uma Constituinte tinham sido suspensas. Agora, com o fim do luto oficial, os manifestantes prometem "tomar as ruas" - aparentemente com o apoio do governo.

"Correa precisa dessas mobilizações para levar adiante sua prometida agenda de reformas [de reformar o país e adotar políticas socialistas], já que os primeiros acordos políticos não prosperaram", disse Polibio Córdova, diretor do instituto de pesquisa Cedatos-Gallup. "A recusa do Congresso em convocar rapidamente uma Constituinte gera uma insatisfação cada vez maior na opinião pública."

Segundo levantamento do Cedatos, 94% dos equatorianos afirmam que o sistema político e partidário do país não contribui para a melhoria de vida da população. O principal vilão é o Congresso, cuja atuação é aprovada por apenas 13% da população. Já a aprovação a Correa, que assumiu este mês, supera os 70%.

Correa usa esse sentimento para tentar aprovar suas propostas de reforma sem ter necessariamente apoio do Congresso - o qual ele chamou de cloaca, na campanha presidencial. O partido formado por Correa para se lançar presidente, a Aliança País, não apresentou candidatos a deputado. "Isso faz parte de sua retórica contra a 'partidocracia' que caracterizaria o sistema político", diz Córdova.

Mas esses partidos tradicionais ainda têm poder para barrar a tramitação de propostas e até a execução de projetos importantes. Por isso, analisa Córdova, o uso da "pressão popular" é tão importante e tende a crescer. Os congressistas temem perder poder caso Correa vença as eleições para uma Assembléia Constituinte, como ocorreu na Venezuela de Hugo Chávez.

Mobilizações como as de ontem não são novidade no país. Os últimos três presidentes eleitos foram derrubados pelo Congresso, sob pressão de manifestantes. E a tendência é de que a insatisfação popular se agrave, caso o petróleo, principal produto de exportação do Equador, caia mais. O Banco Central equatoriano prevê um crescimento econômico de 3,3% este ano, pouco abaixo dos 3,5% do ano passado, exatamente por causa das oscilações do petróleo.

Para o cientista político Antonio Miranda, da Universidade de Miami, a novidade nas manifestações de agora é que não há atualmente por trás uma organização ligada a estruturas do tipo sindical, como ocorreu em 2000. Naquele ano, o então presidente, Jamil Mahuad, foi destituído após indígenas terem ocupado o Congresso e atraído o apoio de parte dos militares.

"Os grupos organizados indígenas perderam muito do prestígio que tinham após terem se comprometido demais com o governo de Lucio Gutiérrez [destituído pelo Congresso no ano retrasado]. Isso criou um vácuo nas organizações populares que vem sendo aproveitado por Correa", conclui Miranda.